JOVENS CONDENADOS POR PILHAGEM E MOTIM RELATAM AGRESSÕES POR PARTE DA POLÍCIA NACIONAL

A greve nacional dos taxistas decorreu entre 28 e 30 de julho em protesto contra o aumento do preço do gasóleo. A paralisação resultou em confrontos violentos, actos de vandalismo e pilhagens em várias zonas da capital e noutras províncias.
Segundo o último balanço oficial, os incidentes causaram 30 mortos, 277 feridos e 1.515 detenções em todo o país.
“Se o povo agiu daquela maneira, alguma coisa não está bem”. É assim que João Mabiala, familiar de um dos jovens condenados por participação nos tumultos, alude aos acontecimentos do início da semana em Luanda.
O seu irmão, Geovani Mabiala, de 17 anos, foi um dos quatro arguidos presentes esta sexta-feira no Tribunal de Luanda, acusado de envolvimento nos protestos violentos que marcaram Luanda durante a greve dos taxistas entre segunda e quarta-feira.
O jovem foi condenado a seis meses de trabalho comunitário, a par de Gelson João, de 18 anos, enquanto os restantes dois arguidos, Adão Manuel, de 22 anos, e Domingos Kiaco, de 20, receberam penas até um ano e meio de prisão efetiva.
Geovani contou que se encontrava em casa no bairro do Malueca quando ouviu barulho na rua.
“As crianças, que se encontravam a brincar no quintal, correram para dentro da residência”, relatou. O quintal, vedado por chapas, foi invadido por um grupo de pessoas que fugiam à polícia e os agentes, ao entrarem no local, detiveram-no, mesmo depois de ter explicado que ali morava.
João Mabiala confirmou que o irmão foi levado sem apresentar resistência e só voltou a ser visto no tribunal.
Para João, os distúrbios resultaram de uma frustração coletiva. “A paralisação foi convocada por taxistas, mas o povo, que já está saturado, se aproveitou também (…) se o povo agiu daquela maneira é porque alguma coisa não está bem”, apontou.
“Se o povo foi invadir para ir roubar arroz, é uma pouca-vergonha, como quem diz: estamos a morrer de fome”, lamentou, pedindo que justiça seja feita.
Gelson João, também condenado a trabalho comunitário, contou que no dia da sua detenção estava a trabalhar numa oficina de produção de sofás no Cazenga. Quando um grupo invadiu o local, tentou fugir. “Quando estava a fugir, descalço, pisei num caco e a polícia agarrou-me, agrediu-me e levou para a esquadra, contou o jovem que apresentava ainda ferimentos e caminhava em bicos de pés no tribunal.
O caso de Adão Manuel, estudante de saúde de 22 anos, resultou numa pena de um ano de prisão. Disse ter sido surpreendido por tiros na rua e ter-se refugiado num quintal. Foi aí que foi detido. Exibia um braço inflamado, preso com um elástico improvisado. “Fui agredido com um porrete (cassetete) no cotovelo”, relatou.
Lucau Manuel, pai de Adão, assistiu ao julgamento com tristeza.
“Isso dá dor, porque eu não o conheço nesses caminhos”, lamentou, dizendo ter sido informado pelos vizinhos da detenção do filho e que esperava pela sua absolvição.
Os jovens foram acusados do crime de participação em motim. Três terão sido detidos em flagrante, segundo os autos, a vandalizar e saquear estabelecimentos no Cazenga na terça-feira. O quarto foi preso no primeiro dia da paralisação dos taxistas, que descambou em atos de violência, pilhagens e confrontos com a polícia em Luanda e noutras províncias.
A Ordem dos Advogados de Angola montou entretanto uma equipa especial para prestar apoio jurídico gratuito aos detidos.
“Queremos dar um bocadinho de acalento aos arguidos e garantir uma defesa adequada, nos termos da lei”, explicou à Lusa o advogado Picasso Andrade, coordenador da equipa.
Segundo o causídico, as penas no âmbito do processo sumário variam entre três dias e três anos, mas muitos arguidos têm sido condenados a penas até um ano e meio e muitos casos têm sido alvo de recurso.
“Constatámos muitas incongruências”, disse. “Há absolvições justas. Estamos aqui em prol da defesa dos direitos fundamentais, liberdade e garantias dos arguidos.”
“Hoje estamos com uma lista de 25 advogados, tivemos um clima mais ou menos positivo, muito ao contrário dos dois dias anteriores”, resumiu Picasso Andrade.