A REPÚBLICA DO “SIM CHEFE ” – KAMALATA NUMA

Dizem que Angola é rica. Rica em petróleo, diamantes, madeiras tropicais e paisagens de cartão-postal. Mas há uma riqueza mais poderosa que qualquer recurso natural: o angolano do “sim chefe”. Esse sim é a verdadeira commodity nacional. Inesgotável, obediente, maleável como borracha chinesa.
Este angolano não nasceu da luta anti-colonial. Oh, não! O angolano do “sim chefe” não carregaria Kalashnikov no mato. Ele é filho legítimo da pós-independência, neto do medo e bisneto da bajulação. No tempo do colono teria sido o cipaio mais zeloso, o informador mais eficiente. Mas só floresceu em pleno sob os 50 anos de estufa húmida chamada MPLA.
O “sim chefe” é um fenómeno bio-político. Uma espécie endémica, cultivada com fertilizantes do medo, irrigada com rios da impunidade e podada a cada tentativa da consciência. É domesticado logo no primeiro emprego público: recebe uma cadeira, um carimbo, e a alma é recolhida à entrada.
Mandam roubar?
“Sim chefe.”
Mandam falsificar actas?
“Sim chefe.”
Mandam esquecer que há povo?
“Sim chefe.”
Mandam prender inocentes e promover culpados?
“Sim chefe, com Excelência!”
Este angolano do “sim chefe” é tão útil ao sistema que até já tem equivalência a uma unidade de medida. Um “sim chefe” equivale a dois projectos desviados, três hospitais por acabar, cinco escolas sem giz, e sete discursos de hipocrisia. Quando o “sim chefe” passa, até os tribunais encolhem os ombros, os ministros perdem a memória e os juízes esquecem o direito.
Enquanto isso, o povo transforma-se num documentário premiado pela miséria. A juventude sonha em ser youtuber na diáspora, os mais velhos vendem recargas ao sol, e os hospitais fazem transplantes de esperança com instrumentos enferrujados. Mas calma: há inaugurações com fita vermelha e “clappings” pagos. Está tudo controlado.
A Assembleia Nacional?
Virou palco de uma tragicomédia. A bancada do poder levanta-se só para aplaudir, não para pensar. É o parlamento do “levanta e senta” ao som do maestro da disciplina partidária. Cada deputado um eco, cada eco um “sim chefe”.
E o General Higino? Ah, esse é só o aviso. Uma pedra lançada à vitrina para mostrar quem manda na loja. Se até os generais são tratados como qualquer zé-povinho quando deixam de dizer “sim chefe”, imaginem o destino do cidadão comum que ouse pensar!
No fundo, Angola é hoje governada por um governo-coral, onde todos cantam a mesma nota: a nota da obediência cega, da lealdade sem ética, da disciplina sem consciência. A harmonia do desastre.
Mas o que esperar de um país onde o “sim chefe” é currículo, mérito, fé e juramento?
Daqui a 50 anos, com o “sim chefe” ainda ao leme, Angola poderá estar em Marte… não como potência espacial, mas como zona de exílio político, um buraco escavado pela incompetência sideral.
O país secou. Não de água, mas de vergonha. E mesmo no deserto da dignidade, haverá sempre alguém com farda ou fato e gravata, pronto a saudar:
“Ordem dada, missão cumprida, sim chefe!”
E assim, comemoram-se os 50 anos de independência com mais derrotados do que libertos, com mais estátuas do que ideias, com mais buracos nas estradas do que páginas nos manuais escolares.
No fim, o “sim chefe” não é só uma frase. É um sistema. Uma ideologia. Uma religião de Estado. Um culto onde o altar é a cadeira do chefe, e a penitência é pensar por conta própria.
OBRIGADO – “SIM CHEFE”!