“O PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO VAI ENVEREDAR PELA VIOLÊNCIA”

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Em entrevista à DW África, o ex-primeiro-ministro Marcolino Moco, que na campanha para as eleições gerais deu o seu apoio incondicional à oposição, diz que Angola vive um autêntico golpe de Estado.

Pouco antes das eleições gerais de 24 de agosto, Marcolino Moco, que foi primeiro-ministro pelo partido no poder, o Movimento Popular da Libertação de Angola (MPLA), de 1992 a 1996, deu o seu apoio à oposição política, por ver “uma grande oportunidade” para criar um Estado inclusivo.

Após as eleições, o político veterano fez agora o ponto da situação à DW África. Não esconde que olha com ceticismo para o chumbo, na quinta-feira (09.09) do recurso interposto pela União Nacional da Independência Total de Angola (UNITA) junto do Tribunal Constitucional (TC). E traça um quadro negro do futuro do país


DW ÁFRICA: O TC CHUMBOU O RECURSO DE CONTENCIOSO ELEITORAL INTERPOSTO PELA UNITA. COMO AVALIA ESTE ACÓRDÃO?


Marcolino Moco (MC): A regra mantém-se. A CNE (Comissão Nacional Eleitoral) e o Tribunal Constitucional são do partido no poder e do Presidente da República. Por isso, não podem decidir contra ele.

DW África: Nas eleições de 24 de agosto apoiou a oposição e disse haver uma “grande oportunidade” para criar um Estado inclusivo. Como seria este Estado inclusivo?
MC: Desde que se aprovou uma Constituição que acaba com a eleição presidencial de um Presidente com tantos poderes, mas que não responde perante o eleitorado, perante a Assembleia Nacional, assalta o poder judicial, assalta o poder da comunicação social, eu nunca mais votei a favor do MPLA.

DW ÁFRICA: ACHA QUE O MPLA ACEITARIA FORMAR UM GOVERNO INCLUSIVO, ENVOLVENDO A OPOSIÇÃO?


MC: Não temos um Estado inclusivo desde 75, quando o Estado proclamou uma independência unilateral, uma independência do MPLA na qual participei na altura, muito jovem, pensando que aquilo era o melhor sistema para criar um homem novo, como se dizia naquela altura. Mas por volta dos anos 80, eu e muitas outras pessoas chegámos à conclusão que assim não dá. Então, criou-se um Estado inclusivo, que permitia que houvesse mais partidos políticos a disputar. Mas esse sonho foi destruído novamente com a sobrevivência da guerra e, particularmente, com a sobrevivência da Constituição de 2010, que consagra novamente a exclusão, que dá todo o poder a um Presidente que, depois, não presta contas a ninguém.


DW ÁFRICA: NUM LIVRO DA SUA AUTORIA FALA DE UMA “TERCEIRA ALTERNATIVA”, NOMEADAMENTE UMA TRANSIÇÃO NECESSÁRIA E VANTAJOSA PARA TODOS. FOI CLARAMENTE DESCARTADA ESTA OPÇÃO?


MC: Sim, neste momento continua descartada porque outra proposta vingou. Não na base da contagem de votos, na base do que é um autêntico golpe de Estado, porque há tropas na rua, polícias e militares. Ainda o Tribunal Constitucional não se tinha debruçado sobre questões graves na contagem, etc., já o presidente João Lourenço marcava a sua tomada de posse. Portanto, há no plano material um golpe de Estado. Significa que vamos continuar a funcionar dentro dessa mesma constituição material e formal de exclusão. Pouco vai mudar do que aconteceu até aqui.

DW ÁFRICA: POR FALAR EM GOLPE DE ESTADO: REFERIU NUM POST NUMA PLATAFORMA SOCIAL ONLINE QUE O GOVERNO PEDIU PERDÃO PELOS MORTOS DE 27 DE MAIO, ONDE DEZENAS DE MILHARES DE ANGOLANOS FORAM TORTURADOS, MANDADOS PARA CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO E FUZILADOS SEM JULGAMENTO. AGORA, O EXÉRCITO ESTÁ EM “PRONTIDÃO COMBATIVA”. ISTO PODE PÔR EM CAUSA A LEGITIMIDADE DO GOVERNO DE MPLA?

MC: Esse Governo para mim, pelo menos, não é legítimo, mas isso vale o que vale.

DW ÁFRICA: QUE CENÁRIOS SE DESENHAM PARA OS PRÓXIMOS TEMPOS?


MC: As ruas estão pejadas de soldados bem armados. Fala-se de aviação no dia da tomada de posse. Temos essa situação que, como leu no meu texto, é uma situação de verdadeiro golpe de Estado. Agora vai começar, ou já começou, um mandato, que à partida já está contestado. Não vai ser fácil. Então, ele [João Lourenço] vai enveredar pela violência, pior para ele e para o povo também. E este ambiente de caos que nós vivemos, em que num país tão rico como este há pessoas que comem dos contentores de lixo, isso tudo vai deteriorar.

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