A REVOLUÇÃO SILENCIOSA NOS GABINETES DOS GOVERNADORES E VICE-GOVERNADORES – JOAQUIM JAIME

Jaime

Há uma transformação profunda em curso nos bastidores do poder provincial, tão significativa quanto invisível ao cidadão comum. Não se trata de uma nova lei ou de um programa governamental anunciado com pompa. É uma revolução de mentalidade, de função, de impacto. É a transição do Director de Gabinete de mero “Gestor de Logística” para verdadeiro “Chief of Staff” estratégico – a evolução do maquinista que apenas mantém o comboio a funcionar, para o navegador que traça a rota, antecipa tempestades e garante que chegamos ao destino correcto.

Durante décadas, muitos gabinetes funcionaram com uma lógica reativa. O Director agendava reuniões que lhe pediam, gerava a logística das visitas, assegurava que os documentos chegavam à secretária do Governador. O sucesso media-se por uma métrica simples: as actividades foram concluídas sem problemas logísticos? Esta visão, embora necessária, era limitada. Transformava o Gabinete num centro de processamento de tarefas, não num núcleo de produção de resultados.

Hoje, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 14/24, de 5 de Setembro, sobre a Nova Divisão Político-Administrativa do País, e atendendo à necessidade de fortalecer os Órgãos da Administração Local do Estado, especialmente nos novos entes territoriais, o Ministério da Administração do Território, em parceria com a Escola Nacional da Administração e Políticas Públicas, tem vindo a realizar formações específicas para os gestores locais, por isso, o desafio é outro. A complexidade da governação provincial, a velocidade da informação, a multiplicidade de stakeholders – desde o Presidente da República e Ministros até às associações de camponeses e embaixadas estrangeiras – exigem um papel radicalmente diferente. Já não basta assegurar que o Governador chega a tempo aos sítios. É fundamental assegurar que chega aos sítios certos, com a informação certa, para tomar as decisões certas, que se transformam em realidade concreta para a população.

Esta nova função assenta em cinco pilares nucleares, que são muito mais do que tarefas: são funções de arquitectura governativa.

Primeiro, a Gestão, que transcende a administração de recursos para gerir o activo mais precioso e não-renovável: o tempo e o foco estratégico do Governador.

Segundo, o Filtro, função de guardião. Num mar de informações, crises parciais e demandas contraditórias, o Chief of Staff aplica a técnica dos três crivos: a informação é verdadeira, é necessária que o Governador a conheça, e é útil para a decisão estratégica agora? O que não passar por este filtro é delegado, reencaminhado ou arquivado. Proteger o foco do líder é um serviço crítico à governação.

Terceiro, a Assessoria, que é a alma do novo papel. Deixaram de ser meros transmissores de dados para se tornarem sócios confidenciais na análise. Um bom parecer técnico, seguindo a estrutura aprendida – Sumário Executivo, Objecto, Análise, Alternativas e Recomendação – não oferece apenas dados. Oferece cenários, prevê consequências, pondera prós e contras e, corajosamente, recomenda um caminho. A qualidade da escrita do Director de Gabinete determina a qualidade da decisão do Governador.

Quarto, a Articulação, que os transforma em embaixadores multidirecionais. São a ponte entre a visão do Governador e os Vice-Governadores, os Directores Provinciais, os Ministérios em Luanda, os empresários e a sociedade civil. Garantem que a visão não se perde na transmissão e que a execução reflecte a intenção original.

Quinto, o Controlo, a função que fecha o ciclo. De nada serve uma brilhante decisão se ficar no papel. O Chief of Staff é o garante da accountability, acompanha a implementação, cobra prazos e resultados, assegura que o comboio, além de ter uma boa rota, efetivamente avança.

Os instrumentos de trabalho também evoluíram. Das actas narrativas passaram a actas orientadas à acção, focadas no “O Quê, Quem e Quando”. Dos relatórios de actividades genéricas passaram a pontos de situação focados em resultados: não “realizámos cinco reuniões”, mas “das cinco reuniões, resultou o desbloqueio do projeto X, beneficiando 50.000 pessoas”.

Esta transição não é opcional. É uma resposta necessária às exigências de um mundo complexo e de uma cidadania mais exigente. O cidadão não avalia o Governador pelas reuniões que realizou, mas pela água que chegou à sua torneira, pela estrada que foi reparada, pela escola que foi construída.

Ser Chief of Staff hoje é, portanto, assumir uma missão de alto impacto. É entender que não são o porteiro do Gabinete, mas os seus arquitectos estratégicos. É ter a humildade de permanecer nos bastidores, mas a ambição de influenciar profundamente a trajectória da província, agindo como o multiplicador de eficácia do Governador ou dos Vice-governadores, ao converter:

Dados em informação

Informação em análise

Análise em decisão

Decisão em acção

Acção em resultado

Resultado em impacto social positivo

O desafio está lançado. Aos Directores de Gabinete, recém formados na ENAPP-EP pergunta-se: continuarão a ser os maquinistas que apenas mantêm as engrenagens a funcionar, ou se assumirão como os navegadores estratégicos que ajudam a governação a encontrar o seu Norte e a chegar a bom porto? A eficácia da governação provincial depende desta resposta.

O Director de Gabinete é o pilar estrutural de todo o funcionamento do Governo Provincial. A sua actuação determina a qualidade da governação, a eficácia da máquina administrativa e a capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos e às metas do Governador.

Em outras palavras o Director de Gabinete é o arquitecto estratégico do Governador, a sua missão é transformar prioridades em resultados e decisões em impacto público.

Joaquim Jaime

*O autor foi um dos convidados a integrar a Equipa de Formadores do Curso de Integridade Institucional na Gestão de Gabinetes. O DECRETO

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