ANGOLA ESTÁ A MATAR OS SEUS FILHOS MAIS POBRES: ESSA NÃO É A ANGOLA QUE ME VIU NASCER – FERNANDA LUZEMBIA

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Recentemente, dois jovens foram esmagados por um camião de lixo enquanto procuravam comida. Segundo o irmão de uma das vítimas, o camião não transportava lixo, mas sim bolachas. Os jovens queriam recolher parte dessas bolachas para vender e pagar uma dívida. Mas, mesmo com essa explicação, nada justifica o fim trágico dessas vidas.

Como é possível que, num país tão rico em recursos e indústrias, pessoas tenham de chegar a esse ponto? Será que o governo não vê essas pessoas? Por que é que sempre fechamos os olhos quando o sofrimento vem da periferia? Será que esses jovens não são pessoas? Não são angolanos? Quem se vai responsabilizar por isso? Quem vai trazer os meninos de volta? Quem vai consolar as famílias e pedir perdão pela má governação e pela pobreza extrema que assola cada vez mais lares angolanos?

Hoje foram esses dois, amanhã podem ser outros. Jovens continuam a procurar comida nas lixeiras  locais antes frequentados apenas por doentes mentais. Hoje, pessoas com sanidade lutam com os “malucos” por restos de lixo. Uns dizem “cheguei primeiro”. Outros choram em silêncio.É triste. Nenhum ser humano merece isso. Mas a fome não espera. E sem emprego, muitos veem essa como a única saída.

Se o governo continuar a ignorar esta realidade, mais jovens morrerão esmagados por camiões de lixos. E as famílias nem sequer terão o direito de ver os corpos dos seus filhos, netos, sobrinhos, maridos, namorados ou pais dentro de um caixão. Muitos nem conseguirão dar um enterro digno.

Mas o culpado não é o motorista. Ele estava apenas a fazer o seu trabalho. Ele nunca imaginaria que alguém estaria escondido no lixo. A culpa é da fome. E o verdadeiro culpado é o nosso governo. Um governo que prefere mostrar ao mundo uma Angola irreal, feita de eventos luxuosos e contratações milionárias de jogadores internacionais, enquanto o seu povo morre de fome.

É o mesmo que um pai pedir dinheiro emprestado para dar uma festa e mostrar aos vizinhos que está bem, enquanto seus próprios filhos passam fome, estão fora da escola e sem acesso à saúde, água, energia ou dignidade. Um pai assim não entende o que é amar.

O pobre também é pessoa. Também sente. Também observa. Também sonha. O pobre também tem um nome e merece respeito.É hora do governo parar, refletir e perceber: que tipo de Angola estamos a construir? Porque a Angola real não está nos palcos dos eventos nem nas manchetes do marketing oficial. Está nas ruas, nas lixeiras, nas casas sem luz, nos rostos dos esquecidos.

Essa Angola, que hoje mata os seus filhos mais pobres, não é a Angola que me viu nascer. É tempo de acordar. É tempo de mudar.

Fernanda Luzembia.

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