CORRUPÇÃO 2º PARTE: CIMANGOLA COLONIAL E OS VEÍCULOS DA SOBREFACTURAÇÃO

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Na segunda parte da investigação sobre o caso Nova Cimangola, o Maka Angola revela como o esquema de pilhagem de fundos públicos se consolidou através de contratos inflacionados com três empresas: Andali, Transkamba e Techbelt. Entre 2019 e 2023, a Cimangola tornou-se palco de operações financeiras altamente lesivas, com indícios de sobrefacturação na ordem das dezenas de milhões de dólares. Documentos obtidos em exclusividade revelam que a compra de equipamentos, como cavalos mecânicos, semi-reboques e até um camião-bombeiro, foi usada para desviar fundos, sob a aparente conivência da administração e a inacção do poder público.

O triunvirato de empresas Andali, Transkamba e Techbelt tornou-se no maior fornecedor de equipamentos e serviços à Cimangola.

A título de exemplo, e conforme documentos em posse do Maka Angola, entre 2019 e 2023, a Andali vendeu à Cimangola um total de 27 cavalos mecânicos e mais 100 trailers por um custo total equivalente a mais de 32 milhões de dólares, dos quais se estima uma sobrefacturação de 25 milhões de dólares para os bolsos dos autores do esquema. O director comercial da Nova Cimangola, o cidadão colombiano German Carrillo (à esquerda na imagem), destaca-se como o principal operacional deste e de outros esquemas similares.

DA ESQUERDA PARA A DIREITA: GERMAN CARRILLO, ANDRE BARREIROS, ELSA CARETO E PEDRO PINTO, NAS INSTALAÇÕES DA CIMANGOLA.

Em resposta à questão sobre os indícios documentados de sobrefacturação, a direcção da Nova Cimangola alega que “não existem indícios documentados de sobrefacturação na Nova Cimangola. De facto, a Nova Cimangola trabalha com as empresas referenciadas, no entanto as mesmas são sujeitas aos vários sistemas de monitorização e controlo da actividade da empresa”.

Mais afirma que a “Nova Cimangola é auditada pela Deloitte (externa) e apoiada pela KPMG no que respeita à auditoria interna, não tendo quaisquer reservas de auditoria registadas”.

O Maka Angola junta mais alguns exemplos. A 14 de Outubro de 2022, a Andali vendeu à Cimangola 11 semi-reboques graneleiros basculantes (tipo sider) por um total de 453,7 milhões de kwanzas (equivalentes, na altura, a cerca de um milhão de dólares). Cada semi-reboque custou, portanto, cerca de 94 mil dólares. A própria Cimangola havia solicitado directamente uma factura proforma à mesma fabricante na China e o preço, por cada unidade, incluindo FOB, era de 15,650 dólares por cada semi-reboque. A Cimangola gastaria, no total, 172 mil dólares caso tivesse optado pela compra directa.

Em compras acumuladas até à data presente, a Cimangola adquiriu 60 semi-reboques à Andali, no valor global de 5,6 milhões de dólares, quando uma aquisição directa teria custado menos de um milhão de dólares. Temos, assim, um desvio líquido de mais de 4,6 milhões de dólares só através da aquisição de semi-reboques.

Outra prova da “criatividade” da Cimangola tem que ver com a aquisição à Andali, a 28 de Agosto de 2022, de um camião-bombeiro, de marca Schacman (chinesa), pelo equivalente a 200 mil dólares. O fabricante vendia-os, directamente e com transporte para Angola, por 35 mil dólares.

ESTADO DE NEGLIGÊNCIA

A 18 de Junho passado, um ex-assistente do Conselho de Administração, devidamente identificado, denunciou detalhadamente e com provas documentais os indícios de pilhagem, nepotismo e desgoverno da Nova Cimangola. Fê-lo por via electrónica ao ministro da Indústria e Comércio, Rui Miguêns, com cópias para o ministro de Estado e da Coordenação Económica, José de Lima Massano, e para a ministra das Finanças, Vera Daves.

Em resposta, pela mesma via, o ministro reconheceu a sua tutela sobre “a referida unidade industrial, maioritariamente controlada pelo Estado”, bem como o seu “dever de conhecimento e de actuação em todas as situações que ponham em causa o património daquele conglomerado e consequentemente, de despoletar as medidas que se mostrem adequadas, em caso de inconformidade”.

Rui Miguêns garantiu, com base nos documentos apresentados, que iria “despoletar o necessário processo de averiguação e, se se mostrar suficientemente fundamentado, daremos nota aos devidos órgãos administrativos e judiciais do Estado”.

O denunciante, ex-assistente do Conselho de Administração da Nova Cimangola, voltou à carga a 9 de Julho passado. Uma vez que não tinha recebido, até essa data, “nenhum pedido de esclarecimento ou informação adicional”, escreveu novamente ao ministro Rui Miguêns. Em anexo, juntou mais alguns dados e documentos de prova adicionais. Até hoje, continua sem resposta.

A que se deve esta negligência ministerial? Haverá algo mais que leva à inacção do executivo? A pergunta impõe-se, pois é dever do servidor público tomar a iniciativa quando lhe participam um crime. Se não o faz, está ele mesmo a cometer um crime por omissão.

CONCLUSÃO: UM SISTEMA DE PILHAGEM PATROCINADO PELO ESTADO

A Nova Cimangola foi transformada num exemplo trágico de como as empresas controladas pelo Estado podem ser capturadas por interesses privados, com a bênção de quem deveria protegê-las. A Nova Cimangola é um esquema institucionalizado de pilhagem. A Procuradoria-Geral da República e o Serviço de Investigação Criminal (SIC) não precisam de mais denúncias – apenas de coragem para seguir o dinheiro. A verdade está nos contratos, nas facturas, nos emails dos gestores e na voz silenciada dos trabalhadores.

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