“A SOBERANA OPORTUNIDADE DA DESUNIÃO NACIONAL” – KAMALATA NUMA

Desde 1974 que os angolanos tiveram, dizem os livros e os discursos, a soberana oportunidade de se unir. Não era pouca coisa. Era uma benção com selo de alfândega revolucionária, carimbada por Lisboa e embarcada via Alvor — com escala em Lusaka e conexão espiritual em Moscovo. Uma união que, segundo reza a lenda, duraria para sempre. Ou pelo menos até ao fim da conferência de imprensa.
Mas foi só em pleno século XXI, com o surgimento do excelentíssimo Senhor Engenheiro Presidente-Comandante João Manuel Gonçalves Lourenço, que Angola volta a verdadeira oportunidade… de se desunir com classe.
Sim, meus caros. Um verdadeiro protagonista da união… desfeita. O homem que conseguiu pôr o MPLA a fazer oposição ao próprio MPLA, enquanto a UNITA olha, pergunta-se se já ganhou ou ainda está a perder e porquê?
“Onde vai parar Angola com este Senhor?”, perguntam os vivos, os quase-vivos e até alguns mortos que, cansados do barulho no cemitério, pedem silêncio.
A economia? Ela não fala. Nem murmura. Está em greve de dignidade. Substituiu o PIB pelo “PIOR”, um indicador novo, com base em sacos de arroz oferecidos em troca de selfies eleitorais.
O patrão? Sobrevive do contentor. Não do conteúdo, note-se — do contentor mesmo. Vende o ferro, vende a madeira, vende até o contentor vazio, que já vale mais que a empresa.
O empregado? É agora o CEO. Manda, ordena, dirige. Afinal, ao patrão deve-se três meses de salário e cinco de promessas. E como diz o novo Código Laboral Popular: “A quem se deve, obedece.”
A cultura? Fez as malas. Disse que vai a Maputo, ou ao Brasil, ou então só está de passagem até alguém voltar a levar a arte a sério — sem obrigar músicos a cantar hinos partidários com playback em comícios.
A cidadania? Virou palavra estrangeira. Precisa de visto e atestado de residência para ser usada em público.
O MPLA? Ficou esfacelado. Fragmentado. Pulverizado. Há o MPLA do passado, o MPLA do presente e o MPLA do futuro — todos em guerra entre si. O problema é que nenhum sabe ao certo o que é, porque todos juram que os outros é que traíram a ideologia… que já ninguém lê.
A morte? Essa, sim, trabalha. Tem carteira profissional, salário fixo e suplemento por risco. Anda de motorizada, de ambulância, de farda e às vezes de terno e gravata. É o pão nosso de cada dia, servido com lágrimas e burocracia.
Parar quem levou Angola ao buraco é a missão, dizem os novos heróis das redes sociais. A ideia é simples: parar com a polícia… que já parou sozinha. Só cumpre ordens constitucionais, o que em Angola é como dizer: só trabalha quando aparecer um unicórnio.
Responsabilizar o governador, o administrador, o juiz, o segurança, o militar, o deputado que viola a lei? Claro. Só falta combinar com a imunidade, a cunha, o primo da madrinha e o envelope.
Mas não percamos a esperança! Vamos consciencializar o povo! Com o quê? Panfletos? TikToks? Missas de domingo? Não se sabe. Mas vamos. Porque só o povo é soberano… até começar o jogo da selecção.
E assim, sim, Angola triunfará. Não se sabe bem sobre o quê, contra quem, ou para quê. Mas triunfará! Como triunfa aquele aluno que passa de classe sem saber ler — com um diploma na mão e o país inteiro às costas.
OBRIGADO!