A BATALHA DO KUITO KUANAVALE – UM “BLUFF” DO MPLA QUE SERVIU JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS E SERVE JOÃO LOURENÇO – KAMALATA NUMA

Da Operação “Saudemos Outubro” à Batalha do “Kuito Kuanavale”
A chamada Batalha do Kuito Kuanavale é, para muitos analistas e observadores da história militar e política de Angola, um caso clássico de reconstrução de uma narrativa ao serviço de interesses partidários. O que começou como uma operação ofensiva das FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), com o nome codificado “Saudemos Outubro”, terminou num impasse militar e mais tarde foi reinterpretado, décadas depois, como uma “grande vitória” simbólica. Este processo de mitificação serviu a figura de José Eduardo dos Santos (JES) durante o seu longo consulado e, mais recentemente, tem sido mantido pelo regime de João Lourenço (JLO) como parte de um legado ideológico forçado.
Importância do nome original para a narrativa posterior
O nome original da operação — “Saudemos Outubro” — foi escolhido como homenagem à Revolução Bolchevique de Outubro de 1917, reflectindo a orientação marxista-leninista do MPLA e o alinhamento com a União Soviética. Tratava-se de uma designação ideológica, usada internamente nas FAPLA, que nunca foi divulgada publicamente durante os combates.
Após o fracasso militar da ofensiva, o nome “Saudemos Outubro” foi rapidamente abandonado e substituído por “Batalha do Kuito Kuanavale” em 2008, um termo mais abrangente, emocionalmente carregado e funcional para a construção de uma narrativa de resistência. O objectivo era claro: apagar a imagem da derrota e construir um mito de “victória estratégica” que justificasse os sacrifícios da guerra civil e projectasse o MPLA como herói da luta contra o apartheid.
Objectivo da operação “Saudemos Outubro”
Lançada em junho de 1987, a Operação “Saudemos Outubro” visava atingir dois objectivos militares centrais:
1°. Destruir as bases da UNITA em Mavinga, com progressão até a Jamba, Capital da Resistência ao Social imperialismo soviético-cubano e Quartel-General das FALA.
2°. Consolidar a presença estatal do MPLA no sudeste do país, numa altura em que a UNITA controlava vastas zonas do interior de Angola.
A operação envolveu várias brigadas das FAPLA 16a, 21a, 47a e 59a no Kuito Kuanavale e no Moxico/Kalapo para Kangamba e Lumbala Nguimbo o 3° Agrupamento, 39a, 43a e 54a Brigadas, todas unidades e estruturas de comando com conselheiros soviéticos e apoio aéreo cubano. O plano previa uma ofensiva coordenada e de curta duração, mas a realidade no terreno foi bem diferente.
Fracasso da operação “Saudemos Outubro” e início da operação em torno do Kuito Kuanavale
Em setembro de 1987, as FAPLA foram travadas nas margens do rio Lomba no Kuando Kubango, Kassamba e Luvuey no Moxico por uma resistência feroz da UNITA com ajuda de Forças de Defesa da África do Sul na Frente do Kuito Kuanavale. As baixas das FAPLA foram severas, com perdas de pessoal, material e moral.
O que era para ser uma ofensiva rápida converteu-se num recuo desorganizado até ao Município do Kuito Kuanavale/Kuando Kubango e localidade do Kalapo/Moxico respectivamente, onde se iniciou uma nova fase: a defesa da posição do Kuito Kuanavale para onde recuaram as FAPLA e as forças cubanas, que teve de ser reforçada por unidades cubanas idas do Menongue. Entre novembro de 1987 e março de 1988, ocorreram intensos combates, mas sem victória clara de qualquer dos lados.
Na prática, foi um impasse militar: as FALA não conseguiram tomar o Kuito Kuanavale, mas as FAPLA também não conseguiram avançar para Mavinga e Jamba. A operação, em termos técnicos, continuou um impasse a nível interno — mas politicamente, transformou-se em triunfo fabricado. Só em 1990 com as FAPLA derrotadas na Operação “Último Assalto”, sem a presença de forças estrangeiras, foi possível regressar ao espírito do Acordo de Alvor através do Acordo de Bicesse.
Desdobramentos diplomáticos
Apesar do impasse no terreno, a Operação teve impactos diplomáticos relevantes:
Em dezembro de 1988, os Acordos de Nova Iorque levaram à:
Retirada das tropas cubanas de Angola.
Retirada da África do Sul e independência da Namíbia (marcada para 1990).
Estes acordos foram mediados pelos EUA, URSS, Cuba e África do Sul, com Angola como palco da guerra por procuração da Guerra Fria.
Contudo, os acordos não resolveram o conflito interno: a guerra civil entre o MPLA e a UNITA continuaria até 2002, com graves consequências humanitárias e institucionais.
Uso da Batalha do Kuito Kuanavale como narrativa de coesão nacional
A Batalha do Kuito Kuanavale passou a ser usada como narrativa de coesão nacional é um dos pilares simbólicos mais importantes da construção ideológica do governo angolano pós-independência sob domínio do MPLA.
Primeiro – Consolidar a Identidade Nacional através de um Mito Heróico
Após décadas de guerra pós-colonial e civil (1975–2002), Angola emergiu com fracturas sociais profundas, memórias traumáticas e um tecido nacional dilacerado. O MPLA, como partido no poder, viu-se confrontado com a necessidade de justificar porque enveredou pela guerra em 1975. Criar a imagem do homem da paz salvador da África Austral, sem preocupação com Agenda de unidade, reconciliação e desenvolvimento para Angola.
Segundo – Desviar o foco das feridas internas
Ao focar-se num confronto externo — contra a África do Sul e o regime do apartheid —, a narrativa do Kuito Kuanavale:
Desvia a atenção da guerra pós-colonial e civil em Angola contra a UNITA, que foi extremamente sangrenta e destrutiva.
Oferece um inimigo externo (o apartheid) e interno ( a UNITA), permitindo ao regime tentar buscar apoio interno sem ter de justificar os anos de repressão, deslocamentos e massacres.
Minimizar eventos como o 27 de Maio de 1977, o massacre de civis, ou a repressão dos “inimigos internos” e a corrupção.
Terceiro – Construção de uma liturgia nacional
Desde 09 de Agostode2018, a Assembleia Nacional de Angola aprovou a instituição do “Dia da Batalha do Kuito Kuanavale” como feriado Nacional. Esta decisão foi tomada exclusivamente pelos deputados do MPLA, sem a participação de outras forças políticas.
Comemorações anuais do “Dia da Libertação da África Austral” (23 de março).
Discursos oficiais, romagens, monumentos, e educação patriótica com foco no Kuito Kuanavale.
A presença sistemática de representantes de países aliados, como Cuba para reforçar a legitimidade do discurso.
Esta liturgia serve para:
Criar identificação emocional com o Estado.
Cultivar uma memória colectiva, em contraste com os traumas da guerra civil.
Silenciar ou relativizar outras versões do conflito.
Quarta – Reescrita histórica ao serviço do MPLA
A operação em volta do KuitoKuanavale, que militarmente foi um impasse estratégico ou até um recuo das FAPLA, é hoje descrita como:
A “maior batalha de libertação do continente africano” (segundo discursos oficiais).
CONCLUSÃO
A “Operação do Kuito Kuanavale” é, antes de tudo, uma construção política: um “bluff estratégico” mal-sucedido do MPLA, usado para ocultar uma operação militar fracassada e redefinir o seu significado histórico. Serviu a José Eduardo dos Santos como um pilar de legitimação interna e regional, apresentando o MPLA como “libertador da África Austral”. Hoje, João Lourenço continua a usar essa narrativa como parte da herança simbólica do partido no poder, mantendo o culto à “victória” como ferramenta de unidade e autoridade.
Contudo, a história mostra que, no terreno, “Saudemos Outubro” não foi uma victória — foi um desastre militar disfarçado de mito épico. E como todo mito político, revela mais sobre quem o conta do que sobre o que realmente aconteceu.
OBRIGADO!