ÍNTEGRA DO DISCURSO DA PAN CAROLINA CERQUEIRA NA CERIMÓNIA DE LANÇAMENTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA EM BRAILLE

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Excelências

Senhora Veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional;

Senhores Juízes Conselheiros e demais Magistrados;

Senhoras e Senhores Deputados;

Senhores Auxiliares do Titular do Poder Executivo;

Senhores representantes do Corpo Diplomático acreditado na República de Angola;

Autoridades eclesiásticas, académicas e ilustres conferencistas;

Digno representante da associação nacional dos cegos e amblíopes de Angola;

Distintos convidados;

Minhas senhoras e meus senhores.

É com profunda honra que me dirijo a todos vós nesta ocasião tão significativa para o lançamento da constituição da república de angola em braille.

Este momento marca um passo histórico na nossa jornada colectiva rumo a uma sociedade mais inclusiva, justa e equitativa, onde ninguém é deixado para trás.

Permitam-me, antes de prosseguir, que me apresente de forma mais pormenorizada, para que todos possam sentir a minha presença de maneira mais completa em particular nossos convidados invisuais.

Sou a Senhora Carolina Cerqueira, Jurista, Presidente da Assembleia Nacional da República de Angola, uma mulher angolana mais velha, com uma presença marcada pela experiência e pela determinação.

Tenho uma estatura mediana, um porte elegante e sereno, reflectindo anos de dedicação à vida pública. Meu rosto é redondo, com traços suaves e expressivos, que transmitem confiança e empatia.

Minha pele é de um tom castanho, os meus olhos de um castanho profundo, são atentos e revelam uma mente sempre em movimento, analisando e compreendendo o mundo à minha volta e as minhas sobrancelhas são bem definidas, moldando o olhar firme, mas acolhedor.

O meu sorriso é discreto, mas sincero, reflectindo a minha crença no diálogo e no entendimento entre as pessoas.

Uso o cabelo curto de um tom escuro e hoje estou de tranças africanas, estou vestida com um traje africano que representa a cultura e a identidade do nosso continente.

Minha voz é firme, pausada e envolvente, transmitindo confiança e serenidade.

Ao falar, faço questão de ser clara e objectiva, pois acredito no poder da comunicação para unir e inspirar as pessoas.

Excelências, minhas senhoras e meus senhores

Este projecto de transcrever a nossa constituição para braille é mais do que um acto simbólico; é um compromisso tangível com os direitos e a dignidade de todos os angolanos, independentemente das suas capacidades físicas.

A constituição é o alicerce do nosso estado democrático de direito, o documento que consagra os nossos valores, os nossos direitos e os nossos deveres como cidadãos.

É imperativo que todos, sem excepção, tenham acesso a este instrumento fundamental da nossa democracia.

A inclusão das pessoas invisuais ou com deficiência visual no acesso à informação e à participação cívica é um imperativo moral e constitucional.

Ao disponibilizar a constituição em braille, estamos a garantir que todos os angolanos possam conhecer, compreender e exercer os seus direitos plenamente. Este é um passo crucial para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e inclusiva, onde a diversidade é celebrada e a igualdade de oportunidades é uma realidade.

Quero destacar o trabalho incansável de todos os que contribuíram para tornar este projecto uma realidade: os especialistas em braille, as organizações da sociedade civil, os técnicos e, claro, os membros da assembleia nacional, que partilham desta visão de uma angola mais inclusiva.

Uma referência muito especial à veneranda Juíza Conselheira Presidente do Tribunal Constitucional, Dra. Laurinda Cardoso, pelo vosso empenho e dedicação que são um exemplo do que podemos alcançar quando trabalhamos unidos por um bem comum.

A deficiência não precisa de ser um obstáculo para o sucesso, porque a grande maioria das pessoas com deficiência no mundo têm dificuldades para sobreviver a cada dia e para desenvolver um percurso produtivo e de realização pessoal.

Em Angola existe ainda um conjunto de barreiras que desencorajam as pessoas com deficiência até saírem de casa, devido a um conjunto de dificuldades que desencorajam as famílias a libertarem os seus filhos com deficiência, com receio de que as mesmas sofram na rua sevícias que as venham a traumatizar, por causa de barreiras sociais que devem ser eliminadas.

Por isso reafirmo e reputo como importante e louvo a iniciativa do Tribunal Constitucional, enquanto guardião da constituição e dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, e senti-me honrada de, em nome do povo e para o povo angolano, proceder a entrega da constituição da república de angola em braille à associação nacional dos cegos e amblíopes de angola.

Ao nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a adopção da constituição em braille foi iniciada pela República Federativa do Brasil em 1988, disponível em todas as bibliotecas públicas estaduais.

A República de Portugal aderiu à iniciativa em 2004, estando a constituição disponível em bibliotecas públicas e instituições para deficientes visuais.

Na nossa república irmã de Moçambique o conselho constitucional lançou a constituição em braille no dia 3 de Dezembro 2021, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

Angola será assim o quarto país da CPLP a aderir a esta nobre iniciativa.

Esta medida de inclusão social tem sido implementada por vários outros países.

Em África, a África do Sul, desde 1996, o Quénia e o Uganda também aderiram.

Na América do Norte, os Estados Unidos da América e o Canadá.

Na Europa, o Reino Unido, a França, a Espanha e a Alemanha; Na Ásia, a Índia, o Japão e a República da Coreia.

Excelências

Todas as pessoas têm características próprias que as distinguem entre si. A diferença é, assim, uma característica das pessoas, logo, das sociedades humanas. O reconhecimento de que todas as pessoas são iguais em direitos, mas consideradas e respeitadas nas suas diferenças, é uma condição das sociedades inclusivas, livres e democráticas, em que angola se inclui e no âmbito da qual os pais fundadores desta nação sonharam com uma pátria unida e com liberdade para todos.

Por isso, na vida pública, uma das prioridades de acção de todos os poderes soberanos deve ser a promoção da inclusão das pessoas com deficiência, como imperativo de uma sociedade que pretende realizar todo o seu potencial.

No desenvolvimento das políticas de inclusão das pessoas com deficiência, é fundamental assegurar a garantia de condições de acesso e de exercício de direitos de cidadania, através da sua participação nos diversos contextos da vida, em igualdade com os demais cidadãos e cidadãs.

A inclusão plena dos cidadãos e cidadãs com deficiência, bem como o pleno reconhecimento e promoção dos seus direitos fundamentais, deve assim constituir uma das grandes prioridades assumidas pelos diversos poderes soberanos.

A constituição da República de Angola consagra no artigo 23.º o princípio da igualdade de todos os cidadãos e de todas as cidadãs, reafirmando, expressamente, no n.º 1 do seu artigo 83.º, que os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres nela consignados, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados ou limitados.

No desenvolvimento desse imperativo constitucional, no plano legislativo a assembleia nacional aprovou 4 importantes leis, no quadro da efectivação dos direitos das pessoas com deficiência, que passo a descrever:

Primeiro, a lei n.º 21/12, designada por lei da pessoa com deficiência, que estabeleceu o regime jurídico aplicável à prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência na vida social, definiu, como grandes objetivos neste domínio, a promoção da igualdade de oportunidades, a promoção de oportunidades de educação, trabalho e formação ao longo da vida, a promoção do acesso a serviços de apoio e a promoção de uma sociedade para todos, através da eliminação das barreiras e da adopção de medidas que visem a plena participação das pessoas com deficiência.

Em segundo lugar, a lei n.º10/16, lei das acessibilidades, que fixou as normas gerais, condições e critérios para as pessoas com deficiência ou com mobilidade condicionada, assentando nos princípios do respeito pela dignidade humana, do respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência ou com mobilidade condicionada, da efectiva participação e inclusão de todos na vida social, da não discriminação e do pleno exercício dos direitos e liberdades fundamentais, e disciplinando ainda a acessibilidade à informação, a língua gestual angolana, o símbolo internacional de acessibilidade, o símbolo de deficiência auditiva, a prioridade no atendimento e reserva de assentos, a responsabilização, a proibição da discriminação e os instrumentos operacionais de apoio. Em terceiro lugar, a lei n.º 6/98, de 7 de Agosto, lei do subsídio ao portador de deficiência, que fixa as prestações pecuniárias aos cidadãos portadores de deficiências e incapacitados permanentes para o exercício de qualquer actividade laboral, que não estejam abrangidos por qualquer outro regime de assistência social, nem possuam recursos financeiros próprios.

Em quarto lugar, a lei n. º13/02, lei do antigo combatente e do deficiente de guerra, que estabelece a protecção em regime especial dos direitos económicos e sociais dos cidadãos que tenham participado e prestado a sua contribuição à luta de libertação nacional contra o colonialismo e na defesa da pátria, bem como ao familiar do combatente tombado pela mesma causa ou perecido, por forma a garantir-lhe a estabilidade material e moral necessárias ao seu desenvolvimento.

No plano internacional, com a adesão à convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, através da resolução n.º 1/13, de 11 de janeiro, da assembleia nacional, o estado angolano aprovou, para adesão, a referida convenção, tendose comprometido a promover, proteger e garantir condições de vida dignas às pessoas com deficiência ou incapacidade, assumindo a responsabilidade pela adopção de medidas necessárias para garantir às pessoas com deficiência o pleno reconhecimento e o exercício dos seus direitos, num quadro de igualdade de oportunidades.

Portanto, no plano legal Angola está razoavelmente estruturada em matéria de previsão dos direitos das pessoas com deficiência.

O que faltará então?

Provavelmente para a sua efectivação.

Quase uma década após a aprovação da lei das acessibilidades, torna-se difícil entender que construções recentes não atendam às necessidades de acesso para pessoas com deficiência. Por outro lado, temos que ser mais rigorosos na fiscalização da quotização e na reserva de vagas nas instituições públicas.

Prestar mais e melhores serviços, garantir respostas de qualidade atempadas e criar mecanismos de apoio eficazes, de acesso simplificado e célere, são alguns dos objectivos que devemos procurar alcançar.

Há dias conversei com um jovem colaborador que me contava sobre os dilemas e dificuldades que ele e demais colegas têm sentido na faculdade de direito da universidade agostinho neto, onde têm estudantes invisuais, carecidos de materiais que lhes permitam ler e estudar os textos, as leis e as doutrinas em braille, para que possam participar nas aulas e competir nas avaliações com os demais colegas em condições de igualdade, mostrando todo o seu potencial.

É esse um exemplo da dura realidade que nós temos que lidar e é essa material desigualdade que nós temos de transformar para assegurar que esses jovens portadores de deficiência física, que já são heróis por tentarem, não desistam, mas tenham uma renovada oportunidade.

Por isso saúdo novamente e agradeço à senhora veneranda juíza conselheira presidente do tribunal constitucional, pela honra que me concedeu de cá estar de coração neste momento de inclusão.

Nós temos a obrigação moral de remover as barreiras à participação e de investir recursos financeiros e conhecimentos suficientes para liberar o vasto potencial das pessoas com deficiência, cujo acesso à saúde, à reabilitação, ao suporte, à educação e ao emprego tem sido muitas vezes negado, e às quais não se dá a oportunidade de brilharem.

Minhas senhoras e meus senhores,

Termino almejando que este lançamento não seja, apenas, um marco para a comunidade de pessoas com deficiência visual, mas sim um marco para toda a nação, porque reflecte o nosso compromisso colectivo com os valores da justiça, da igualdade e da solidariedade.

Que este acto sirva de inspiração para continuarmos a construir um país onde todos, sem excepção, possam viver com dignidade e orgulho.

Em nome da Assembleia Nacional e em meu nome pessoal, agradeço a presença de todos e renovo o meu compromisso de continuar a trabalhar por uma angola mais justa, mais inclusiva e mais humana.

Muito obrigada a todos!

 Luanda aos 5 de Fevereiro de 2025.

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