POR QUE REGIÃO DO KIVU É TÃO IMPORTANTE PARA PAUL KAGAME? – DM

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Mais do que questões etnográficas e históricas, a região do Kivu interessa em muito ao Kagame por questões económicas.

Mas antes, precisamos contextualizar a narrativa, descrevendo, em resumo, a capital do Kivu Norte, Goma (por ser a área mais estratégica dentro da província), o contexto histórico, os ideais e o envolvimento de Kagame no conflito, ainda que em vários momentos negou o apoio ao Movimento 23 de Março, mais conhecido por M23, de que têm lhe acusado de dar, descrever ainda as motivações políticas e económicas e, por fim, entender o que esse imbróglio poderá causar.

Goma é a capital do Kivu Norte, uma província da RDC que faz fronteira com Ruanda. Estima-se que a localidade tem cerca de 2,5 milhões de habitantes, o que a ONU, através do seu Alto Comissão dos Direitos Humanos, teme por uma catástrofe humanitária, ao estar sob o controlo dos rebeldes. A história da cidade é, dentre algumas ocorrências, marcada pelo genocídio de 1994, em Ruanda, que por sua vez instigou a Primeira e a Segunda Guerra do Congo.

O genocídio de 1994 foi desencadeado pelo governo provisório do Ruanda, controlado pela etnia hutu, contra a população tutsi. Em resposta, a Frente Patriótica do Ruanda (FPR), fundado e liderado por Paul Kagame desde 1986, invadiu Ruanda, obrigando o governo provisório a deslocar-se para Gisenyi e, de lá, para Goma. De 13 a 14 de Julho de 1994, entre 10.000 e 12.000 refugiados atravessaram, por hora, a fronteira, na direcção de Goma, originando a crise de refugiados dos Grandes Lagos.

Entretanto, dado as origens étnicas da população que compõe aquele terreno da RDC, Kivu Norte como Sul, Kagame acha-se no direito de toma-lo por acreditar ser um território ruandês e não o contrário, pelo menos assim aumenta os limites territoriais do seu país.

Paul Kagame nasceu na cidade de Gitarama, na região central do país e migrou com sua família para Uganda, devido aos ataques que sua etnia tutsi sofria dos hutus. Foi no Uganda onde Kagame fundou FPR, ao lado de outros refugiados tutsis, com o objectivo de tomar o poder em Ruanda.

Kagame chegou à presidência em 2000. Foi deste muito cedo apontado como o homem-forte do Ruanda, que se envolveu no período na Primeira e Segunda Guerra do Congo, motivadas por tensões étnicas e acesso a recursos minerais lucrativos.

Apesar do conflito no leste da RDC já durar há décadas entre as suas Forças Armadas Congolesas (FARDC) contra o Movimento 23 de Março, o envolvimento do Kagame no conflito foi confirmado em 2022 pela Organização das Nações Unidas e outras instituições internacionais.

Não obstante a confirmação, Paul negou categoricamente, mas as evidências falaram por si, dado as vendas de recursos minerais como coltão, cobalto e diamantes, de Ruanda para algumas noções do Ocidente, sendo que Ruanda não tenha terreno que se extraia tais recursos, que são abundantes na região do Kivu, na RDC, agora sob o controlo do M23.

Nem as Forças Armadas da RDC nem as da ONU (MONUSCO) e da SADC (SAMIRDC) estão a travar os avanços do grupo terrorista, que está a ser cada vez mais perigoso para a segurança do país de Félix Tshisekedi.

Após tais confirmações do envolvimento e financiamento de Kagame aos rebeldes do M23, várias diligências têm sido feitas para a gestão harmoniosa do conflito. Angola foi o estado escolhido pela comunidade internacional para mediar a tensão, daí que, em Agosto de 2024, sob as delegações diplomáticas, tanto da República Democrática do Congo como da República do Ruanda, começaram as conversações sobre um acordo de paz entre as partes em litígio, numa época em que não se respeitou o cessar-fogo que se tentou impor.

Um acordo de paz torna-se muito difícil de alcança-la quando uma das partes mais activa não é convidada para fazer parte das conversações, no caso o M23. Paul Kagame frisava que era necessário tê-los à mesa, contudo Tshisekedi recusava e Lourenço calava.

“Não há uma boa vontade de Paul Kagame em terminar com a guerra. Já disse que deveria ser chamado à mesa de negociações o M23… Kinshasa não aceita como parceiro de conversação o M23. Então, Luanda não pode fazer nada para impor quando uma das partes não quer a outra. Neste cenário, é difícil que haja um acordo de paz entre as partes”, comentou Eugénio Costa Almeida, investigador angolano do Centro de Estudos do Instituto Superior de Lisboa.

Nesta altura, quais forem os esforços do Presidente João Lourenço para pôr fim ao desentendimento, é já sem tempo na visão do investigador, pois, Kagame conta com apoios (não declarados) do Reino Unido, França e os Estados Unidos, só para citar.

“Ruanda não está sozinha, poderá ter uma umbrella de alguns internacionais que o olham com muita simpatia, apesar da sua ditadura. Países como Reino Unido, França e o próprio Estados Unidos”, disse.

Mais do que as preocupações históricas e etnográficas, convém ao Paul Kagame tomar posse do Kivu Norte e Sul por ser uma região rica, com recursos que interessam o mundo e, não menos importante, a expansão territorial do seu país. A região do Kivu é área de maior concentração de minas onde é extraída a maior parte do coltão e das terras raras que alimentam a indústria mundial das novas tecnologias. Com o controlo deste terreno, Kagame aumenta o poderio financeiro e político na escala global. O investigador angolano do Centro dos Estudos do Instituto Superior de Lisboa, Eugénio Almeida, defende que o número 1 do Ruanda quer se transformar numa espécie de líder africano, algo que o antigo presidente da Líbia, Khadafi, quis tanto ser.

“Desde muito tempo que a Ruanda considera a região do Kivu como parte dela em termos etnoterritoriais, mas em termos de política internacional e em termos dos preceitos da União Africana que realçam a intangibilidade das fronteiras, tal investida é ilegítima. Nesse momento é impossível parar a guerra, Paul Kagame não quer paz, quer conquistar terreno e afirmar-se como o líder em África. Quer ser o que Khadafi não conseguiu ser. Quer ser o líder de toda África”, contou o pesquisador.

Tais escaramuças podem desencadear em conflitos maiores como guerra nesta região de África, em que poderá envolver não só os dois países em questão como os seus aliados no continente, onde Angola poderá estar a lutar ao lado da RDC fruto das relações diplomáticas mais bem conseguidas com o país de Tshisekedi em relação ao do Kagame.

“Esta situação implica uma declaração de guerra, pois, em termos de política internacional, segurança internacional é legítima, porque há uma invasão. Há um ataque de um país estrangeiro ao território nacional da RDC. Por sua vez, República Democrática do Congo pode solicitar, ao abrigo da lei, apoio aos países africanos, e um deles, quer queiramos ou não, será Angola”, ressaltou Eugénio Costa Almeida.

E esta ideia de guerra entre a República Democrática do Congo e Ruanda já foi ressaltada várias vezes pelo próprio Presidente Félix Tshisekedi.

Como recorda Novo Jornal, as vagas de assaltos do M23 deixam RDC sem o controlo de algumas das vastas áreas de exploração mineira, perdendo milhões de dólares para os garimpeiros ilegais que fazem estes recursos chegar, de igual modo ilegal, aos mercados internacionais por via do Ruanda.

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