O “LUXO” DOS HOSPITAIS NUM PAÍS ONDE A MAIORIA DA POPULAÇÃO MORRE DE DOENÇAS CURÁVEIS

Apesar de a malária ser a principal causa de óbitos em Angola, com milhares de mortos todos os anos, a prioridade do Executivo parece estar virada para a construção de grandes hospitais em detrimento das unidades primárias e secundárias de saúde que deveriam assistir, em primeira instância, os pacientes dos bairros pobres que estão arredados dos centros urbanos.

 ILÍDIO MANUEL

Sem recurso à lupa, qualquer observador chega facilmente à conclusão de que a enorme pressão sobre os hospitais de referência ou terciários resulta da ausência ou do mau funcionamento das unidades de saúde primárias ou, numa palavra, da falência do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Ou seja, de unidades que não dispõem de equipamentos para “despistar” as patologias, sem laboratórios funcionais, ou aparelhos de diagnóstico como RX, TAC, RMN, dentre outros.

Um dos sinais de falência desses serviços pode ser aferida pela “invasão” dos espaços em torno dos hospitais terciários por parte dos familiares dos doentes que se encontram internados nessas unidades de saúde. Trata-se de pacientes que, à falta de unidades de saúde de qualidade nas suas áreas de residência, viram-se forçados a percorrer dezenas, senão mesmo centenas de quilómetros, em busca de assistência médica e medicamentosa nos hospitais de referência.

Por esta e outras razões, é que eles têm nos familiares que acampam em redor dos hospitais a âncora que lhes serve de apoio para resolver vários problemas, tais como a falta de medicamentos, transfusão de sangue ou de coisas básicas, como a carência de seringas, luvas ou de outros consumíveis.

À primeira vista, ninguém pode ficar indiferente à imponência dos edifícios e da sua traça arquitectónica moderna que em nada ficam a dever aos hospitais existentes na Europa ou noutras latitudes geográficas.

É inegável o esforço do Executivo em construir novas unidades de saúde e dotá-las de equipamentos de ponta, do mais moderno que possa existir em matéria de medicina por este mundo fora, mas isso tem estado a ser feito, dizem os críticos, em inversão das prioridades e sem a devida formação de quadros.

Sem descurar a necessidade da criação de hospitais de referência, nas suas mais variadas valências, eles defendem a proliferação de unidades de cuidados primários junto dos grandes aglomerados populacionais, devidamente equipadas com meios de diagnóstico e medicamentos, de forma a estancar ou reduzir a pressão sobre as grandes unidades de saúde ou, se preferirem, hospitais de “luxo”.

O Executivo, sobretudo a titular da pasta, e os ruidosos meios de comunicação social do Estado não perdem a mínima oportunidade de enaltecer os feitos do PR quando são inaugurados novos hospitais, apesar de a construção de alguns deles terem começado a ser erguidos no tempo do seu predecessor.

Como que tomados por uma súbita e confrangedora amnésia, os governantes, políticos e jornalistas optaram por bem ignorar o pouco que foi feito durante o consulado de Eduardo dos Santos, como se nunca tivesse existido um “antes” e um “depois”.

Na embriaguez do bajulismo que se apossou de algumas mentes, um conhecido jornalista desportivo chegou mesmo a defender numa das TPA”s que fosse atribuído a João Lourenço o título de “campeão africano da construção de hospitais”. Ao que chegamos!

Para eles, o importante é mostrar o brilho das obras e, por arrasto, da governação do presidente João Lourenço, nem que seja por alguns dias ou horas.

Será por esta razão que o Presidente da República disse, num dos seus retóricos pronunciamentos, que para a construção de “infra-estruturas para a saúde haverá sempre dinheiro”? A manutenção e o funcionamento não entraram na equação das prioridades?

Por detrás do brilho da fachada dos edifícios e do “luxo” escondem-se outros problemas que vão desde a falta de recursos humanos qualificados para operar os sofisticados equipamentos à ausência de orçamentos para garantir o funcionamento normal das novas unidades de saúde.

Esta semana, o director-geral do Complexo Hospitalar de Doenças Cardio-pulmonares D. Alexandre do Nascimento terá destapado uma ponta do véu por detrás do qual se esconde um enorme buraco financeiro de uma unidade de saúde que, apesar de ter sido requalificada há três anos, não figura nas despesas no OGE.

Segundo o médico Carlos Masseca, responsável da referida unidade de saúde, o complexo, que deveria receber uma verba mensal de 500 milhões de kwanzas, está há 4 meses sem receber verbas, o que compromete, segundo ele, a qualidade de serviços e coloca-o em dívida com as empresas prestadoras de serviços de alimentação, limpeza e fornecedora de medicamentos, dentre outras.
Segundo fontes conhecedoras deste assunto, a situação do “D. Alexandre do Nascimento” é transversal aos demais hospitais e unidades de saúde que se encontram atoladas em dívidas para com os fornecedores de medicamentos e outros consumíveis.

Como se pode conceber que o “luxuoso” complexo hospital D. Alexandre do Nascimento, que terá custado ao Estado mais de 200 milhões de dólares norte-americanos aos cofres do Estado, não dispõe de verbas para a compra de medicamentos ou está sem capacidade financeira para honrar o pagamento de serviços a terceiros? Luxo na miséria?

Nas últimas semanas, o sector da saúde voltou a estar na berlinda, primeiro, com a inauguração de um hospital geral em Ondjiva, na capital da província do Cunene, depois, o uso pela primeira vez da medicina robótica em Angola.

A nova unidade de saúde que, na óptica do PR, irá estancar a ida de muitos residentes do Cunene para a vizinha Namíbia em busca de cuidados médicos e medicamentosos, dispõe de equipamentos de ponta, pelo que resta saber se haverá técnicos locais para manipular os mesmos…

À boca pequena, diz-se que o hospital local estará carente de técnicos especializados no manuseio dos sofisticados equipamentos de diagnóstico, pelo que teve de fazer recurso aos quadros idos do Lubango e Luanda, numa espécie de Kixikila, para tapar os “furos” abertos pela falta de recursos humanos.

A ser verdade, não é a primeira vez que isso acontece, pois abundam os episódios da inauguração de serviços médicos sem a prévia formação de quadros qualificados para operar os equipamentos.

Essa velha de tendência de colocar a carroça à frente dos bois ficou, uma vez mais, provada, há poucas semanas, aquando do lançamento da medicina robótica que, depois de duas demonstrações feitas por clínicos estrangeiros, teve de ser suspensa para permitir a conclusão da formação dos técnicos angolanos nos EUA, segundo a ministra da Saúde.

Não há dúvidas de que Angola precisa evoluir em matéria de medicina, mas é necessário estabelecer prioridades, sob pena do País vir a dar passos maiores do que perna ou criar a falsa ilusão de crescimento, num ambiente de estagnação, ou de profundo retrocesso. Para isso, é preciso despir-se da ideia de que os hospitais de “luxo” curam as doenças num país onde a maioria dos angolanos morrem de doenças curáveis, com o paludismo à cabeça. NJ

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