A RECUPERAÇÃO DE BENS DE ISABEL DOS SANTOS E O CONTEXTO GEOPOLÍTICO EUROPEU

Por: Tyilenga Tyokuehandja 

Mestre de gestão de empresas. 

Consultor em desenvolvimento empresarial. 

Nos últimos anos, temos observado um aumento significativo nos esforços do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos de Angola, no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR), para reaver os bens de Isabel dos Santos que foram arrestados pela Justiça portuguesa desde 2020. Este esforço, embora legítimo do ponto de vista do Estado angolano, enfrenta inúmeros obstáculos, tanto jurídicos quanto políticos.

CONTEXTO E DIFICULDADES NA RECUPERAÇÃO DE ACTIVOS

A situação do EuroBic, cuja participação arrestada foi recentemente vendida ao banco espanhol Abanca, é emblemática deste impasse. A participação de Isabel dos Santos no EuroBic, avaliada em 127,5 milhões de euros, representa uma fração significativa dos ativos em disputa. No caso da NOS, os dividendos correspondentes a 26% do capital também permanecem à guarda do tribunal. Em 2020, a participação na NOS detida pela filha do ex-presidente de Angola estava avaliada em cerca de 600 milhões de euros.

Um dos principais entraves à devolução desses ativos à justiça angolana reside no registo da sua propriedade em jurisdições fora de Portugal, especialmente nos Países Baixos. Isabel dos Santos utilizou estas jurisdições para sediar muitas das suas empresas, criando uma complexa teia jurídica que dificulta o processo de recuperação de bens.

PERSPECTIVA HISTÓRICA E COMPARATIVA

A história tem nos mostrado que a recuperação de bens confiscados ou nacionalizados em países europeus por líderes e empresários africanos é um processo repleto de complicações e, muitas vezes, decepções. Exemplos não faltam:

  1. Mobutu Sese Seko: O ex-presidente do Zaire (atual República Democrática do Congo) viu grande parte de sua fortuna, que estava alocada na Suíça e em outros países europeus, ser confiscada sem perspectiva de retorno ao país de origem.
  2. Muammar Gaddafi: Após a queda do regime líbio, bilhões de dólares em ativos foram congelados na Europa e nos Estados Unidos. Até hoje, uma pequena fração desses recursos retornou à Líbia.
  3. Hosni Mubarak: O ex-presidente egípcio também teve milhões de dólares em ativos congelados na Europa após a Primavera Árabe. O Egito enfrenta um árduo processo judicial para reaver esses bens.

ANÁLISE ESTRATÉGICA

A Europa, ao contrário do que muitas vezes se espera, dificilmente devolve valores confiscados ou investidos provenientes de países africanos. Esta realidade, embora possa parecer injusta, é sustentada por uma lógica estratégica e econômica que visa proteger e fortalecer os interesses europeus. Os países da União Europeia (UE) aplicam esta estratégia de forma consistente para garantir a segurança econômica e o crescimento de suas próprias economias.

Como economista especializado em gestão estratégica de longo prazo, é imperativo reconhecer que a destruição do império de Isabel dos Santos pode representar um erro estratégico para Angola. Independentemente das acusações e da legalidade dos seus bens, a presença de uma empresária angolana de tal envergadura no cenário internacional poderia ter sido aproveitada de maneira mais construtiva.

REFLEXÕES FINAIS

Não tenho nenhuma animosidade contra os europeus; na verdade, apoio a estratégia que eles utilizam para proteger e apoiar os seus empresários. É uma lição que os países africanos poderiam adotar: fortalecer suas políticas internas para apoiar seus próprios cidadãos e empresas, ao invés de depender de processos judiciais internacionais que, historicamente, têm sido desfavoráveis.

Portanto, em vez de focar exclusivamente na recuperação de ativos arrestados, Angola poderia considerar a implementação de políticas que incentivem o retorno voluntário de capitais e a reinvestição no país. Criar um ambiente de negócios atrativo, seguro e estável poderia ser uma estratégia mais eficaz a longo prazo.

Isabel dos Santos, independentemente das controvérsias que a cercam, representa um caso único de uma mulher africana que alcançou um nível extraordinário de sucesso empresarial. A destruição de seu império sem considerar alternativas estratégicas pode ser uma perda não apenas para ela, mas para todo o potencial econômico de Angola.

Este artigo não busca defender atos ilícitos, mas sim propor uma reflexão profunda e ponderada sobre as estratégias de recuperação de ativos e o papel que indivíduos influentes podem desempenhar no desenvolvimento econômico de seus países de origem.

Você não pode copiar o conteúdo desta página