PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO DISCURSA NA BIENAL DE LUANDA E APELA A PAZ E NÃO-VIOLÊNCIA EM ÁFRICA
Discurso do Presidente da República, João Lourenço, proferido, esta quarta-feira, na abertura da 3.ª edição do Fórum Pan-Africano para uma Cultura de Paz e Não-Violência – Bienal de Luanda.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É uma grande honra para mim e para o Executivo que dirijo acolher tão ilustres figuras nesta cidade capital de Angola, para participar na 3ª edição do Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz, Bienal de Luanda, que se vai subordinar ao lema «Educação, Cultura de Paz e Cidadania Africana, como Ferramentas para o Desenvolvimento Sustentável do Continente».
Apesar da complexidade que encerra a preparação deste evento, a República de Angola assumiu a responsabilidade de o acolher a cada dois anos, porque tem a clara noção da importância que assume para os países africanos e não só, a questão da paz e da convivência pacífica no seio das sociedades de cada um dos nossos países em particular do nosso continente, onde é fundamental fazer-se uma pedagogia permanente, principalmente junto dos jovens que estão aqui representados de forma significativa, para a necessidade de defender e preservar a paz, como condição primária para o desenvolvimento económico e social dos nossos países.
Desde o alcance da nossa Independência e durante três décadas consecutivas, Angola viveu a triste realidade de um conflito armado entre filhos da mesma mãe pátria, que nos deixou lições extremamente úteis, tendo-nos levado a desarmar os espíritos e a enveredar pelo caminho da paz, da reconciliação, da harmonia, do entendimento e da convivência pacífica entre todos, e transformado o nosso país num espaço em que se tornou possível dedicarmo-nos todos às tarefas do progresso e do desenvolvimento.
Desde que se realizou a primeira edição, este Fórum tem-se constituído numa plataforma privilegiada de interacção e reflexão colectiva empenhada no reconhecimento, na difusão e na valorização dos conceitos, princípios e boas práticas tendentes à construção de um futuro mais pacífico para o nosso continente, berço de uma rica e complexa diversidade cultural, dentro da qual se entrelaçam povos com crenças, línguas e práticas diferentes.
Não obstante a evidência de que a diversidade cultural constitui um inegável activo social, a sua desvirtuação pode criar tensões sociais e até mesmo conflitos desnecessários, pelo que o tema deste ano nos coloca perante o desafio de forjar novos paradigmas e elevar o respeito pela diferença como pedra angular na edificação de sociedades cada vez mais imunes à violência.
EXCELÊNCIAS,
Nenhum esforço tendente a consagrar a ideia de que a paz é um bem inegociável da Humanidade produzirá os resultados almejados se não for feita uma aposta séria, firme e coerente na educação das pessoas e, principalmente, na dos jovens, chamando-lhes a intervir neste processo com o sentido de que se está a realizar um dever perante a sociedade, as famílias, as escolas, as igrejas, as agremiações desportivas, os grupos culturais, as associações e outras entidades de natureza similar.
Devemos fazer uma reflexão sobre a pertinência de se elaborarem políticas públicas voltadas para a cultura de paz que, mais do que um conceito, deve ser encarada como um princípio a ser inscrito nas estratégias nacionais de desenvolvimento dos nossos países, implementado pelas instituições a que antes fiz referência e, tanto quanto possível, amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação social e através das plataformas digitais, que podem desempenhar um papel construtivo neste esforço de promoção da cultura de paz.
Devemos procurar aceitar o facto de que promover uma cultura de paz implica a valorização do colectivo, estimula o respeito pelas diferenças, consagra a diversidade como fonte de riqueza a proteger e pode agir como um factor impulsionador do reforço da justiça social, da equidade e da inclusão.
É por isso essencial que coloquemos o nosso foco na questão da inclusão, pois considero que se cada cidadão dos nossos países se sentir valorizado em função dos seus conhecimentos, dos seus anseios e das suas capacidades, construiremos sociedades em que todas as vozes serão escutadas, todas as sensibilidades respeitadas, e todos os segmentos sociais levados em consideração.
Já não há espaço a visões redutoras sobre o lugar da mulher nas nossas sociedades, nas quais assumem um papel cada vez mais actuante e reconhecidamente eficaz na execução das suas responsabilidades profissionais, e daquelas em que, na sua condição de mães, podem transformar-se em verdadeiras arquitectas de um mundo de harmonia, de paz, de respeito, de tolerância, de compreensão e de amor.
EXCELÊNCIAS,
O nosso continente é habitado por uma população maioritariamente jovem, que tem naturalmente um conjunto de aspirações e expectativas quanto ao seu futuro, o qual se deve procurar atender levando sempre em consideração o seu papel de força motriz da mudança, da evolução, do progresso, do desenvolvimento e da construção de sociedades criativas e inovadoras.
A própria natureza dos jovens tem dinâmicas próprias e gera abordagens e visões diferentes em função de cada grupo geracional, facto que deve ser sempre observado com muita atenção para que se percebam as necessidades e exigências de cada tempo e sejam encontradas soluções na medida do possível, para evitar tensões sociais e posturas muitas vezes permeáveis a ideias nocivas e a comportamentos social e civicamente pouco aceitáveis.
Considero, por isso, ser nosso dever acreditar sem hesitações na juventude, disponibilizando-lhe oportunidades reais de participação activa na construção das nossas sociedades para solidificar uma cultura de paz duradoura e resiliente, criando espaços de diálogo em que devemos escutá-los, entender as suas ideias e integrar as suas contribuições para permitir-lhes que sejam agentes de mudanças virtuosas.
Acredito que se conseguirmos com algum esforço alcançar este desiderato, teremos certamente conseguido, também, preparar cidadãos aptos para aceitar o confronto de ideias, em lugar de partir para a confrontação na base de ideias divergentes.
É nesta perspectiva que atribuo uma importância fulcral ao diálogo inter-geracional que se tornou na referência central da Bienal, por nos permitir estabelecer um intercâmbio de ideias e um espaço de diálogo dentro do qual a combinação entre a sabedoria e a experiência dos mais velhos e a energia criativa dos jovens pode ajudar a fazer a passagem suave e tranquila do testemunho de uma geração para outra.
EXCELÊNCIAS,
A criação e a consolidação de uma cultura de paz em África deve ser um passo fundamental para se estabelecer o clima e as condições essenciais para que os povos e as nações africanas se dediquem, com todo o seu engenho, às tarefas da promoção do progresso e do desenvolvimento.
Somente por esta via seremos capazes de enfrentar e superar o desafio do combate à pobreza, que é, no fim de tudo, o maior dos problemas do nosso continente e o que nos torna vulneráveis às cobiças e às arbitrariedades que lhes estão subjacentes.
Nosso maior desafio consiste na necessidade da definição acertada de estratégias e programas de desenvolvimento assentes na utilização dos recursos de que dispomos, para que consigamos criar as dinâmicas que vão impulsionar o intercâmbio a todos os níveis, as trocas comerciais, o aproveitamento dos conhecimentos técnicos e científicos de cada um de nossos países e regiões, para se criarem factores geradores de crescimento.
Mesmo tendo a perfeita noção de que estamos diante de uma tarefa complexa, nada nos deve fazer desistir de a levar por diante, porque temos de garantir um futuro promissor e próspero às gerações vindouras, às quais caberá dar continuidade ao trabalho iniciado.
Devemos empreender igualmente um esforço gigantesco para protegermos os nossos mercados de choques externos e fortalecê-los na base de programas nacionais de desenvolvimento que assentem sobre a incontornável necessidade da diversificação da economia, por forma a torná-la mais resiliente aproveitando o espírito empreendedor das nossas gentes.
EXCELÊNCIAS,
Estamos a realizar hoje a terceira sessão da Bienal de Luanda. Impõe-se que façamos uma retrospectiva do percurso feito até aqui para que vejamos se tem valido a pena abordar neste Fórum as questões relacionadas com a paz no nosso continente.
A República de Angola tem procurado desempenhar um papel activo no sentido de contribuir para a resolução dos conflitos em África, particularmente na RDC, porque acreditamos que a perseverança leva a bons resultados.
Estou convencido de que deve ser este o espírito a conduzir-nos nas iniciativas que desenvolvemos em África para pôr um fim definitivo aos conflitos e iniciarmos, sem nenhuma espécie de constrangimento, o processo de desenvolvimento sustentável de África.
Por isto mesmo, temos de procurar centrar as nossas acções concertadas entre todos, com o envolvimento activo da União Africana, no sentido de colocar o nosso enfoque na busca de uma solução para o conflito que se desenvolve no Sudão e noutras zonas do nosso continente.
Não posso deixar de me referir ao cenário de instabilidade que se observa em resultado das acções terroristas desencadeadas por grupos armados na região do Sahel e das mudanças inconstitucionais – vulgo golpes de Estado – em alguns países da África do Oeste e Central.
Esta situação nem sempre tem merecido a nossa mais vigorosa condenação e repulsa, havendo mesmo casos em que se confere aos golpistas o mesmo tratamento devido aos legítimos detentores do poder, o que choca com os princípios e valores defendidos pela União Africana.
EXCELÊNCIAS,
Estamos actualmente perante um panorama internacional desolador, em resultado da guerra entre Israel e a Palestina e a que opõe a Rússia à Ucrânia, sendo que ambas, no seu conjunto ou mesmo isoladamente, constituem uma séria e inequívoca ameaça à segurança internacional e à paz mundial, com todas as consequências que daí derivam na sua dimensão humana, social, económica e política.
Em virtude destes problemas, ocorre-nos extrair a conclusão de que se impõe, com a máxima urgência, a necessidade de se aperfeiçoarem os mecanismos da governança mundial, de modo a reforçar-se a sua capacidade de prevenção e intervenção e não permitir que as tensões políticas degenerem em confrontação armada de grandes proporções.
Acompanhamos todos com muita mágoa a tragédia humana que se observa em Gaza, perante uma espécie de impotência da comunidade internacional, que se tem revelado incapaz de agir com firmeza e determinação para parar com a mutilação e morte de milhares de seres humanos indefesos e inocentes naquela parte do Médio Oriente.
Este conflito só tem uma solução possível que assenta necessariamente na criação do Estado palestino, ao abrigo das várias resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a matéria.
Penso que a questão que se prende com a cultura de paz e não-violência deve ser encarada de uma forma transversal, de modo que se torne um paradigma para todas as regiões do nosso planeta.
Acredito profundamente no sucesso das políticas voltadas para a criação de uma sólida cultura de paz e de um ambiente de concórdia e de estabilidade em África e no mundo em geral.
Declaro, assim, aberta a 3ª Edição do Fórum Pan-africano para uma Cultura de Paz e Não-Violência – Bienal de Luanda.
Muito obrigado pela vossa atenção!