A MÁFIA DA IMPORTAÇÃO: A PROIBIÇÃO DO ARROZ E A COMUNICAÇÃO DOS TRAPALHÕES

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Há alguns dias, uma notícia ocupou o espaço público. Alegava-se que o “Ministério da Indústria e Comércio [proibira] a importação de 145 produtos de amplo consumo. A partir de 15 de Janeiro, não [entrariam] no País mercadorias tão diversas como farinha de trigo, arroz corrente, massas, leite, água de mesa, carnes de cabrito, porco, vaca ou frango, cimentos-cola, argamassas, rebocos, gesso… cuja produção local já é capaz de dar resposta às necessidades, tanto de consumo da população como de matérias-primas para as indústrias locais”.

Uns dias depois, a estupefacção de agentes económicos e especialistas acerca dessa medida surgia e, com ela, interpretações díspares sobre o conteúdo da suposta proibição do governo.

O Ministério da Indústria e Comércio, numa primeira reacção, respondia com arrogância: “O documento divulgado [pelo Ministério] é suficientemente claro e que não há necessidade de outros esclarecimentos.”

Obviamente, qualquer pessoa percebia que uma proibição abrupta de importação de 145 produtos de amplo consumo era a receita para o caos económico. O Ministério veio então esclarecer “não serem reais as informações que circulam nas redes sociais, dando conta que o Governo, por via da Direcção Nacional do Comércio Externo, proibiu a importação de 145 produtos, dentre eles alimentares, a partir de 15 de Janeiro de 2024.”

Ficámos sem perceber se estivemos perante um “balão de ensaio” do governo para perceber a viabilidade da proibição absoluta da importação dos bens, ou perante uma enorme trapalhice e incompetência comunicativa por parte do Ministério da Indústria e Comércio, sob liderança de Rui Miguêns de Oliveira (na foto).

O certo é que o episódio suscita três comentários: um sobre a comunicação do Ministério, e do governo em geral, outro sobre o processo de tomada de decisões públicas e, finalmente, outro sobre a condução da política económica.

Comecemos pelo texto que gerou a controvérsia. Trata-se de uma Nota Informativa do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Ministério da Indústria e Comércio, datada de 15 de Setembro de 2023. Nela, começa-se por afirmar que, com “efeitos imediatos, não será permitida a prorrogação dos DUP1 para importação que estejam vencidos, devendo os importadores garantir a entrada para o território aduaneiro nacional da mercadoria nos 120 dias subsequentes à emissão do Documento Único Provisório”. Esta regulamentação parecia ter um carácter burocrático referente aos DUP1 vencidos. DUP1 são Documentos Únicos Provisórios para Importação. Portanto, estes documentos não seriam prorrogados: ou eram usados ou perdiam validade.

O que complica a interpretação é o parágrafo seguinte, em que se determinar “que esta medida deve ser observada para todos os produtos de amplo consumo (conforme a lista em anexo), cuja produção local já é capaz de dar resposta às necessidades, tanto de consumo da população como de matérias-primas para as indústrias locais”. Conjugando os dois parágrafos, a ideia que resulta é um travão, quando não uma proibição absoluta, da importação dos produtos mencionados. No mínimo, o texto é ambíguo; no máximo, indica uma proibição prática, através da não prorrogação de documentos de importação e eventual não emissão de novos, para a importação dos 145 produtos. É evidente que a interpretação jornalística era bem plausível, e nada nos garante que o Ministério não estivesse a proibir efectivamente as importações, através de um mecanismo administrativo obscuro.

E temos o primeiro problema da Nota Informativa, que é o problema da comunicação. Definitivamente, o governo, em todos os seus departamentos, tem de encetar um esforço concertado para comunicar melhor. Comunicar melhor não é emitir uma Nota e responder às dúvidas dizendo que o texto é claro, quando não o é. A comunicação de estilo soviético, de cima para baixo, terminou há muito. As redes sociais – para o bem e para o mal – procederam à democratização da comunicação espontânea e individual, e os governos têm de viver nessa realidade, porque não há outra. É preciso reagir rapidamente, perceber e tratar com respeito os agentes económicos e não promover mais frustrações na sociedade, já abalada pela fome que atinge cada vez mais famílias.

O problema da comunicação, porém, é secundário face às duas questões fundamentais que a Nota Informativa coloca. Uma é o processo de decisão pública. Não tem qualquer sentido tomar este tipo de decisões que afectam inúmeras empresas sem a participação delas. Tem de haver um sistema de colaboração entre o Estado e o sector privado para a tomada de decisões fundamentais na economia. Decidir tudo nos gabinetes sem auscultar os principais interessados não resulta. O Conselho Económico e Social (CES) poderia funcionar como essa câmara de auscultação. Se porventura o governo queria limitar as importações de determinados produtos, deveria ter começado por debater o assunto no CES, chamar empresários ligados à produção e distribuição dos 145 produtos da lista e encontrar em conjunto a melhor solução, percebendo os casos em que a proibição seria viável e aquele em que seria disparatada. Fazer tudo em linguagem burocrática saída de um gabinete ministerial só gera confusão, como de facto gerou. Mau processo de decisão política.

Finalmente, o tema estruturante. Defendemos que numa economia ainda em desenvolvimento, em maturação, como é a angolana, é defensável a existência de limites ao livre-comércio, designadamente em indústrias estratégicas, nascentes ou de largo potencial. Uma espécie de “proteccionismo deslizante”, em que alguns sectores são protegidos da concorrência externa até alcançarem resultados suficientes que lhes permitam entrar em competição global. Nesse sentido, à medida que o sector se desenvolve e alcança sucesso, o proteccionismo vai deslizando para fora de cena, até ao ponto em que já não seja necessário. Tal política é aceitável para Angola. No entanto, têm de se criar as necessárias condições de mercado, isto é, esses sectores não podem ficar sob o domínio de meia dúzia de oligarcas ligados ao poder. Se ficarem, é quase certo que os oligarcas aproveitarão essa protecção para aumentar preços e não para aumentar a produtividade. Os sectores a proteger têm de ter, ou vir a ter, mercados competitivos com vários produtores e empresas que concorram entre si para apresentar os melhores produtos aos preços mais baixos.

Depois desta trapalhada monumental, resta saber se está a ser feita alguma coisa para melhorar o processo de decisão das políticas públicas, envolvendo a colaboração dos interessados privados, e se existe algum estudo sobre os sectores em que Angola é auto-suficiente e conta com um mercado interno competitivo. Caso contrário, o governo continuará de trapalhada em trapalhada, até ao caos final.

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