TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CONSIDERA INCONSTITUCIONAL COMPARTICIPAÇÃO ATRIBUÍDA AOS ÓRGÃOS DA JUSTIÇA

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O Tribunal Constitucional considera inconstitucionais as normas do Decreto Presidencial nº 69/21, de 16 Março, que estabelece o regime de comparticipação de 10 por cento atribuída aos órgãos da Administração da Justiça pelos activos financeiros e não financeiros por si recuperados.

A decisão do plenário do Tribunal Constitucional consta do Acórdão 845/2023, tornado público, ontem, em resposta ao processo de fiscalização abstracta sucessiva requerida a esta corte judicial pela Ordem dos Advogados de Angola (OAA).

 Reunidos nos dias 3 e 4 deste mês, os juízes conselheiros declararam a inconstitucionalidade, com “força obrigatória geral” do Decreto, por “contender com o princípio da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional”, prevista no artigo 164º, da Constituição da República (CRA), e por violar as regras da independência e imparcialidade dos Tribunais, acto que em si demonstra, uma vez mais, a separação de poderes e reforça a independência do Poder Judicial face ao Executivo.

 O Acórdão esclarece que a declaração de inconstitucionalidade implica a expurgação da ordem jurídica angolana, das normas do Decreto Presidencial, inquinadas com o vício de inconstitucionalidade, bem como a destruição dos correspondentes efeitos jurídicos, desde o momento da entrada em vigor, nos termos do nº 1 do artigo 231º, da Constituição da República.

 Por razões de equidade e de segurança jurídica, prossegue o documento, o Tribunal Constitucional entendeu fixar os efeitos de inconstitucionalidade com alcance mais restrito, do que o previsto na norma, salvaguardando as situações concretas plenamente estabilizadas, fazendo uso da faculdade prevista no nº 4 do artigo 231º, da CRA.

 Os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional, ao justificar a decisão, sublinham que na medida em que ao definir a atribuição de uma comparticipação aos órgãos de Administração da Justiça, resultante dos bens revertidos a favor do Estado, no âmbito do regime da perda alargada de bens, previsto na Lei nº 15/18, viola a regra da reserva absoluta de Lei parlamentar.

 Nesses termos, optam por “declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 72, 175 e nº 1, do artigo 179, da Constituição das normas dos artigos 3 a 5 do supracitado Decreto Presidencial, que determinam a atribuição de uma comparticipação financeira à PGR e aos tribunais, na medida em que não se afigura adequado o preenchimento das garantias de independência e imparcialidade”.

Fundamento para atribuição dos 10 por cento

Dos fundamentos para atribuição dos 10 por cento de comparticipação aos órgãos da Administração da Justiça, a Casa Civil do PR fundamentou que a atribuição, formada com base no Direito Internacional, tem como fim a capacitação dos quadros que trabalham no combate à corrupção e na consequente recuperação de activos.

 Entre os argumentos, apontou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a que Angola aderiu através da resolução 20/06, que refere no nº 2 e  alínea c do artigo 62, de acordo com a legislação interna e com as disposições da referida Convenção, “os Estados-partes poderão também considerar a possibilidade de ingressar numa conta especificamente designada uma percentagem do dinheiro confiscado ou da soma equivalente dos bens ou do produto de delito confiscados”.

 Com base nesta norma, prossegue o fundamento, as Nações Unidas e outras organizações internacionais têm recomendado que parte dos valores recuperados seja alocado à criação de um fundo para os órgãos que combatem a corrupção, com vista a capacitá-los e ajudá-los a satisfazer as necessidades relacionadas com a aplicação da Convenção.

 Na mesma linha de pensamento, a Rede de Agências de Recuperação de Activos na África Austral, ARINSA, de que Angola também é parte, na Declaração de Dar es Salaam sobre o Confisco de Bens, de 12 de Junho de 2019, recomenda aos Estados-membros que uma percentagem dos valores recuperados deve ser atribuída aos órgãos e especialistas de recuperação de activos para o desempenho eficaz das suas funções e melhoria das condições de trabalho.

 Segundo ainda o fundamento apresentado pela Casa Civil do Presidente da República, a origem da atribuição da comparticipação de 10 por cento aos órgãos da Administração da Justiça, está em linha com o objectivo tripartido da recuperação de activos, designadamente: acentuar os intuitos de prevenção geral e especial (demonstrar que o crime não rende benefícios, evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes e reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado).

 No ponto referente à impugnação da Constitucionalidade Orgânica do Decreto Presidencial, apresentada pela requerente, a Casa Civil do Presidente da República sublinha que a Ordem dos Advogados argumenta sem indicar que normas foram expressamente violadas, cingindo-se apenas que o Decreto é organicamente inconstitucional, cuja comparticipação deveria ter sido atribuída por lei ou Decreto Legislativo Presidencial Provisório, e não por regulamento Decreto Presidencial.

 A propósito do argumento não pode ser aceite por entender que a inconstitucionalidade orgânica ocorre sempre que exista violação de regra constitucional de competência, o que significa, neste caso particular, uma intromissão de um órgão constitucional na esfera reservada do outro.

 No que toca à suposta violação ao princípio da isenção e da independência dos juízes e dos tribunais, e do direito fundamental a um julgamento justo, a Casa Civil do Presidente da República esclarece que o princípio (artigo 175.9 da CRA) possui dimensões diferentes de análise.

 Em primeiro lugar, a dimensão de independência subjectiva visa defender os tribunais dos demais poderes do Estado (Legislativo e Executivo), garantindo assim a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos perante o Estado.

 Acrescenta, por outro lado, que na dimensão de independência objectiva garante a independência dos juízes, impondo a inamovibilidade, irresponsabilidade e autonomia na interpretação do direito.

 “A independência é violada quando alguma destas dimensões é colocada em causa, por exemplo, nos casos de pressão ou coacção ilícita dos juízes. Não sendo caso de coacção ou de qualquer outra medida similar, revela-se falho”, argumenta a Casa Civil do Presidente da República.

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