JOSÉ MARIA FERRAZ VERGA-SE DIANTE DA MEMÓRIA DO BISPO EMÉRITO DOM FRANCISCO DA MATA MOURISCA E O HOMENAGEIA
HOMENAGEM AO MEU VELHO DOM FRANCISCO DA MATA MOURISCA BISPO EMÉRITO DA DIOCESE DO UÍGE
Meu querido, meu velho, meu amigo, como cantou Roberto Carlos, nasceu em Portugal aos 12 de outubro de 1928 na freguesia de Mata Mourisca- Santa Comba Adão, Diocese de Coimbra.
Quando em 1967 o Santo Padre Paulo VI, aos 17 dias do mês de março o nomeou como primeiro Bispo da Diocese de Carmona e São Salvador, em período de plena guerra colonial, nem ele imaginava o quão seria amado e querido pelo povo destas províncias em particular. Um sacerdote dotado de valores humanistas extraordinários e de um coração tão grande e de mãos abertas para acolher e dar tudo ao seu rebanho.
Com a palavra de fé e conforto, conquistou a simpatia, respeito e a admiração de todos, em particular das crianças e jovens dos anos 70, 80 e 90, na terra que nos viu nascer e crescer, sob o seu olhar e ensinamento.
Um homem de dimensão imensurável e qualidades incomparáveis que por força da fé e escolha, não teve filhos biológicos, mas adoptou e foi adptado por milhares de famílias, crianças e jovens.
Quantos de nós teus acólitos na igreja da Sé Catedral, igreja da Nossa Senhora de Fátima no Mbemba Gango, na igreja de São Francisco, na Missão Católica de Sanza, Damba, Maquela, Bungo, Puri, Negage, kitexe, Mococola, Ambuila, Mucaba e em tantas outras localidades das províncias do Uíge e Zaire, não tínhamos outra referência como nosso fiel defensor?
Quantos de nós, teus acólitos, não tínhamos nem cadernos, nem lápis, nem roupas e calçados para irmos à escola? E eras tu, meu querido, meu velho, meu amigo a dar-nos tudo isso. Quantos de nós nem medicamentos tínhamos para curar um simples paludismo ou tratar sarna, porque nem os hospitais tinham?
E eras tu, meu querido, meu velho, meu amigo a dar-nos tudo e mais alguma coisa.
Éramos todos teus filhos que adoptaste ainda no ventre das nossas mães, porque quando uma pobre senhora estivesse grávida e fosse a igreja, eras tu a dares as roupas para o bebé que iria nascer.
Quantos de nós não teríamos sobrevivido às doenças, à fome, à miséria e à guerra, se tu, meu querido, meu velho, meu amigo, não existisses em nossas vidas?
Graças a ti, muitos somos hoje os homens que somos e servimos a nossa pátria.
Combateste um bom combate meu velho, nós os teus acólitos e seminaristas, o Aragão, o Disciplina, o Mota, o Luís Fernando, o Dom Kanda, o Dom Kiala, o Dom Nteca de feliz memória, o Dom Ymbamba, o Dom Vicente, o Padre Beto, o Ciro, o Padre Dário, o Anacleto, o Afonso, a Luísa e Joana Diamonekene, o Amadeu, o Kintino, a Angelina Rangel, o Aníbal, a Tia Angy Alvarenga, a Azelia, a Cássua, a Chantal, o Ângelo, o Nan Dudas, o Zequinhas, o Nafilo, o Zeca, a Tuisana de feliz memória, a Lindeza, a Paula, a Deolinda, o Dico, o Dombaxi, a Dú, a Felícia, o Gy e o Rui Manuel, o Helio Coimbra, o Jacinto, a Jany, a Tina, o João Nvuala, o Jojó, o Lito, a Lalé, a Nazaré, a Lídia, o Pedro e a Adelina Lima, o Zecão, a Marinez, a Mankenda, o César, o Nito, a Panchita, o Mbeko, a Deolinda Quibato, a Nica, o Gegé e o Toy Grilo, o Nzange, o Oliveira, o Bamba, o Simba e o Miranda Panzo, o Kete TuTy, tantos e tantos filhos abençoados pelas tuas mãos e cultivados pela tua palavra.
Quão era a tua simplicidade e modéstia, própria de um Franciscano, que quando ao volante do teu Peugeot de cor branca (a nossa relíquia), andavas pelas artérias da cidade do Uíge, nós as crianças e jovens, parávamos e em uníssono gritávamos pelo teu nome?
Quantas vezes foste sem avisar à casa de muitas famílias, para visitar um doente ou para levar uma cesta básica a uma família pobre ou carenciada?
Quantas famílias salvaste da morte com os teus programas e estratégias de combate à tripanossomíase na nossa terra?
Quantas pessoas salvaste nos acontecimentos de junho de 1975 e também nos confrontos de 1992/1993, onde transformaste o paço episcopal em refúgio para muita gente?
Quantos jovens não teriam um ofício profissional se não criasses centros profissionais nos seminários, criados em várias localidades da nossa terra?
Quantas foram as tuas iniciativas para contribuir de facto para a paz em Angola?
Todos testemunhamos o teu esforço para um entendimento político entre os angolanos, com vista a procura de uma paz justa e duradoura entre irmãos desavindos.
Meu querido, meu velho, meu amigo, nunca me vou esquecer das nossas longas conversas, que entre muitas coisas sabias, dizias que: meu filho, saiba que UÍGE, não se escreve com (G), mas UÍJE, com (J).
Foi imensurável o teu esforço, dedicação e sofrimento para através das CARITAS DE ANGOLA de que eras presidente, acudir e dar algo para os deslocados e refugiados de guerra comerem e não morrerem de fome durante a guerra que vivemos.
Como disse o tio Correia Victor, não chora meu filho! O Dom Francisco era um autêntico Santo que o Pai Celestial chamou, para a partir do céu cuidar de todos nós.
É longa a tua obra, meu querido, meu velho, meu amigo para a vida toda.
São tantos, tantos os teus filhos e feitos em que se destaca um muito especial e comovente. Foi quando tiveste de adoptar com lágrimas nos olhos e de coração partido, os teus cinco filhos quase biológicos, na sequência de um trágico ataque traiçoeiro, em Outubro/Novembro de 1979 na via Luanda/kitexe/Uíge, em que foram mortos o teu motorista, a esposa, 2 filhos do casal e uma madre. Sei que esse foi um dos momentos mais dolorosos de toda tua vida, nesses 95 anos. Por esse triste acontecimento tiveste a nobre e honrosa missão de adoptar os teus novos filhos, a Ana Maria de Barros, a Sofia de Barros, o Fernando de Barros, a Catarina de Barros e o Luís de Barros, missão que também cumpriste com extraordinária distinção.
Sei que não partiste. Apenas adiantaste para criar as condições para acomodar o teu rebanho. Assim, temos de agradecer à Deus por nos ter dado um pai sem igual, um pai que soube cuidar o seu rebanho e que revolucionou a igreja na terra que nos viu nascer.
Temos de agradecer à Deus, por nos ter dado um grande homem de Deus, que soube separar a religião da política nas circunstâncias mais adversas da nossa vida nacional. E que ensinou-nos a cuidar e proteger qualquer pessoa, mesmo sendo diferentes e antagónicas.
Meu querido, meu velho, meu amigo obrigado por tudo que fizeste por todos nós, e que continues de vela acesa para iluminar a nossa Angola.
Que a sua alma descanse em paz!
Luanda, 24 de Março de 2023.
José Maria Ferraz dos Santos