JUIZ ACUSA “TESTE DE FERRO” DE JOEL LEONARDO DE SE TER APODERADO DAS MOBÍLIAS DE HOTEL APREENDIDO PELA JUSTIÇA
Uma exposição a que o Club-K teve acesso, da autoria do Juiz responsável do Tribunal de Comarca de Cacuaco, João Amado Goma, acusa a rede do presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, de se ter apoderado dos bens (camas, mobílias, geradores) do hotel afecto à empresa AAA, localizado no município do Cacuaco, alvo de confisco da justiça angolana. Era suposto ser neste hotel onde iria funcionar a comarca dirigida por João Goma.
“TESTA DE FERRO” CONSTITUÍDO ARGUIDO PELA PGR
As instalações do Tribunal Comarca de Cacuaco encontram-se em péssimas condições há já algum tempo. O juiz João Goma, na qualidade de responsável da referida comarca, recorreu ao seu superior Joel Leonardo para uma intervenção.
Em resposta, uma equipa enviada pelo presidente do Supremo deslocou-se ao município de Cacuaco para constatar in loco as condições deste tribunal, propondo a transferência desta secção de justiça para o edifício do hotel IU , do Grupo AAA, em Cacuaco, que fora confiscado ao empresário Carlos de São Vicente pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos.
Até ao final do ano passado, a transferência não aconteceu, porque o juiz da comarca de Cacuaco se deparou com uma situação constrangedora: o edifício do hotel que iria acolher o seu tribunal foi todo ele saqueado por Isidro Coutinho João, o ‘braço direito’ do presidente Joel Leonardo, prejudicando todo o esforço de transferência.
Indignado com a situação, João Goma, de 45 anos, que é juiz de direito e responsável pela 15.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Comarca de Luanda, enviou, no dia 24 de Outubro de 2022, uma exposição a Joel Leonardo, informando-o que o hotel das AAA foi saqueado em Março de 2022.
O juiz Goma explicou que o saque aconteceu quando certo dia recebeu uma delegação liderada por Isidro Coutinho João (primo de Joel Leonardo) que antes o havia telefonado para ir ao seu encontro no Hotel IU, onde o mesmo se encontrava, exigindo-lhe a seguir a entrega das chaves do edifício.
“Postos lá, deparámo-nos com uma carrinha, supostamente de marca Mitsubishi, modelo fuso, de carroçaria cumprida, carregada de algumas mobílias. Diante desta surpresa, veio-nos à mente perguntar sobre o destino que seria dado aos artigos que estavam na carrinha”, escreveu o juiz, acrescentando que, em resposta, lhes foi dito que os bens seriam levados para o Conselho Superior da Magistratura Judicial, órgão liderado por Joel Leonardo.
O juiz responsável pela Comarca de Cacuaco conta ainda que um dos guardas em serviço havia lhe confidenciado que aquele era o terceiro carregamento que Isidro Coutinho João havia feito. O primeiro teria acontecido já no dia anterior.
João Goma conta que Isidro Coutinho João contratou um grupo de oito jovens para fazer limpeza do hotel durante uma semana e no dia em que lá foram notaram que quase tudo estava vandalizado: “portas arrombadas, cabos eléctricos rebentados, elevador inoperante, sem camas nem colchões, sem electrodomésticos, etc…vide vídeo em anexo”.
O magistrado faz lembrar ao presidente do Supremo que, no seguimento de uma informação por ele enviada, a 8 de Agosto de 2022, e que resultou no envio de uma delegação despachada por Joel Leonardo no mês de Outubro, e que após este encontro, decidiu-se visitar o edifício, tendo-se testemunhado que o imóvel continuava sem condições de trabalho.
Ainda na sua exposição, o Juiz João Goma conta que no dia 24 de Outubro deslocou-se ao hotel das AAA, na companhia dos técnicos e a empresa de segurança que cuida do imóvel, tendo sido informado que “no dia 21 de Outubro, após a nossa retirada, alguns indivíduos, que disseram ter vindo do Tribunal Supremo, retiraram os nossos cadeados pequenos, e os grandes, deles”.
“Aproveitámos, por isso, efectuar uma verificação e identificação, tendo constatado a existência de 46 cadeiras, 9 poltronas e 20 meses, ainda em bom estado de conservação, vide fotos”, lê-se no informe do juiz João Goma.
Isidro Coutinho João, que realizou o saque, é juiz de direito e assessor do seu primo Joel Leonardo para as questões do Cofre de Justiça. É a figura que colocou muitas empresas de familiares de Joel Leonardo no esquema de prestação de serviços ao Tribunal Supremo.
Na passada semana, a Procuradoria-Geral da República (PGR) constituiu-o arguido no processo (Número Único do Processo 7898/2023 – DNIAP), que investiga os escândalos de corrupção envolvendo Joel Leonardo.
Segundo fontes do Club-K, quando questionado sobre a finalidade que deu à mobília que retirou do hotel das AAA, Isidro João terá respondido que entregou ao CSMJ, a pedido de Joel Leonardo. Este, por sua vez, nega que alguma vez orientou o primo a levantar o mobiliário em Cacuaco.
A nível do CSMJ, o mobiliário não se encontra. Há apenas relatos de algumas fontes que atestam que pelo menos os colchões e as camas foram vistas a entrar em casas de alegados familiares de Joel Leonardo, em Luanda.
ESPECIALISTA DEFENDE QUE BENS APREENDIDOS NÃO PODEM SER REPARTIDOS ANTES DA SENTENÇA FINAL
De lembrar que, por via de um ofício N.º 762/CE/CGJ/2021, datado de 22 de Setembro de 2021, e assinado pelo presidente do Cofre Geral de Justiça, Seretse da Conceição Marcelino Correia, foi decidido que a Torre C deste edifício (Hotel das AAA) seria entregue à PGR e ao Tribunal Supremo. O ofício determinava também que a Torre B, do mesmo edifício, passaria à tutela do Ministério do Interior (Serviços Prisionais e Polícia Fiscal).
O presidente do Cofre Geral de Justiça justificava que esta distribuição dos imóveis servia para “prevenir a sua degradação e vandalização dos edifícios do grupo AAA”.
Fonte habilitada ouvida pelo Club-K defende que os “os bens recuperados a favor do Estado devem ser somente divididos após a decisão final ter sido tomada” e que “após isto deve o bem, enquanto património, ser registado a favor do Estado (passando este a ser oficialmente propriedade do mesmo e valorizado, pois aumenta as receitas públicas).
“Como se faz a divisão e vandalização de um bem recuperado a favor do Estado sem que efectivamente os processos tenham sido terminados”, questiona uma fonte, considerando que “se está em presença de sentenças pré-ditadas”, em que se assiste a um presidente de um órgão de justiça a ocupar indevidamente uma residência resultante da recuperação de um activo de um processo que ainda não está finalizado.