ADVOGADO DEFENDE QUE PGR DEVE SER AUTÓNOMO FACE AO PR JOÃO LOURENÇO
O advogado angolano Benja Satula defendeu hoje que o procurador-geral deve deixar de receber orientações do Presidente da República, uma norma presente há mais de 40 anos no estatuto da Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Hoje nós somos – estamos a falar 45 anos depois – uma democracia e continuamos a ter modelos do Ministério Público que não funcionam”, referiu Benja Satula, em declarações à imprensa, após ter abordado o tema “A Estrutura do Ministério Público em Angola: mudanças que se recomendam”, na conferência nacional promovida pelo Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público.
O também docente universitário argumentou que a PGR funciona mal porque se trata de “um órgão monocrático, ou seja, com o poder todo concentrado na pessoa do procurador-geral da República”.
“E o facto de o procurador-geral da República, nos termos do estatuto – desde 1979 até hoje a cláusula permanece – poder receber orientações directas do Presidente da República. Significa que nós podemos ter uma Procuradoria-Geral da República a andar à velocidade do Presidente da República”, salientou.
O docente sublinhou que, com o quadro presente, a decisão para a investigação de crimes fica refém da vontade do chefe de Estado.
“Se o Presidente da República entender que determinadas matérias são para ser investigadas, serão investigadas, se entender que não são, não serão, o que choca com o Estatuto Constitucional da Procuradoria-Geral da República”, frisou o advogado.
“Por isso é que eu defendo que nós deveríamos, primeiro, excluir, esta cláusula do estatuto, assegurar que cada procurador lá onde estiver, no município, na província, ou no tribunal, seja ele próprio uma entidade autónoma, independente, que consiga tomar decisões por ele próprio, e depois nas questões relativas à gestão financeira e administrativa, aí poderia ser um órgão monocrático a depender do PGR”, ajuntou.
Actualmente, os procuradores do Ministério Público dependem do procurador-geral da República, prosseguiu, acrescentando: “Todos dependem de um e este um recebe orientações de cumprimento obrigatório do Presidente da República”.
“Aqui temos uma atrofia no modelo e no papel que o Ministério Público desempenha numa democracia, por isso é que entendo que sim, que em determinadas circunstâncias o Ministério Público investiga muito rápido, porque provavelmente interessará”, vincou.
Benja Satula reiterou que não se pode ter um Ministério Público que vá atrás do momento político em que se vive.
“Nós queremos ter um Ministério Público constante, regular, que investigue todos, em todas as circunstâncias, em todas as épocas, independentemente de quem seja. É melhor para o país do que, por exemplo, termos um Ministério Público como tivemos até 2018, que não investigava titulares de cargos políticos, porque convinha não investigar, e depois temos uma reviravolta, em 2018, em que o Ministério Público afinal já investiga todos”, realçou.
De acordo com o advogado, os problemas provocados por essa situação causam danos à democracia e ao país, que não se recuperam nem em cinco nem em dez anos.
“Se tivermos um Ministério Público com autonomia e que não receba orientações directas de cumprimento obrigatório, apenas emite relatórios sobre o estado de investigação dos processos para os outros órgãos de soberania, de facto teríamos um Ministério Público mais eficaz e mais eficiente, contrariamente ao que temos tido até hoje”, observou.