“A NOSSA LEI DETERMINA QUE É A SUA FAMÍLIA QUE DEVE CUIDAR DO VELÓRIO” – ADVOGADA

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O Governo angolano e os filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos não conseguiram chegar a um acordo durante as suas discussões no passado fim-de-semana sobre a trasladação para Luanda do corpo do antigo Presidente falecido na passada sexta-feira 8 de Julho aos 79 anos, após duas semanas de internamento numa unidade de cuidados intensivos de uma clínica de Barcelona, em Espanha, onde residia desde 2019.

Perante o desacordo consumado, segundo uma fonte próxima do processo, está afastada a hipótese de novas negociações. Esta mesma fonte avança que o governo angolano que pretende realizar um funeral de Estado em Angola, contratou uma equipa de advogados para apoiar o processo judicial da viúva do antigo Presidente, Ana Paula dos Santos, no pedido em tribunal da guarda do corpo de José Eduardo dos Santos, face aos filhos mais velhos do antigo dirigente, designadamente Tchizé dos Santos, que por seu lado alegam que o pai não pretendia ser enterrado no seu país.

Isto acontece no momento em que fontes judiciais acabam de informar hoje que a justiça espanhola deveria ainda esta semana tomar uma decisão sobre a entrega do corpo de José Eduardo dos Santos. Segundo estas fontes, já foram comunicados à família de José Eduardo dos Santos os resultados da autópsia efectuada no passado fim-de-semana ao corpo do antigo Presidente e em função desses dados, a justiça espanhola deveria decidir se são necessárias mais investigações.

De acordo com os órgãos angolanos ‘TV Zimbo’ e ‘Jornal de Angola’, Hélder Pitta Grós, Procurador-Geral da República de Angola que integra a delegação angolana que se deslocou a Barcelona para tentar negociar com a família do antigo Presidente os termos do seu funeral, referiu que a autópsia confirma a ausência de indícios de envenenamento de José Eduardo dos Santos, contrariando acusações formuladas neste sentido.

Apesar disso, Tchizé dos Santos que é quem mais se expressou publicamente contra a trasladação do corpo do pai para Angola, tornou a vincar nesta segunda-feira numa entrevista concedida à ‘CNN Portugal’ que “não vai vender o corpo do pai para lado nenhum” e informou que apresentou, em nome próprio uma queixa por tentativa de homicídio do pai, Tchizé dos Santos suspeitando em particular elementos da equipa médica e de segurança do antigo Presidente, assim como da esposa do pai, Ana Paula dos Santos, de serem “infiltrados” do actual poder de Angola com quem está há largos anos em contencioso judicial.

Sobre o imbróglio existente entre os filhos mais velhos do antigo Presidente angolano e o actual poder em Luanda, a RFI ouviu Ana Paula Godinho, professora de Direito Civil na Universidade Agostinho Neto, a professora universitária referindo que de acordo com a lei angolana é a família que tem a prerrogativa de decidir todos os pormenores do funeral.

“A nossa lei, nos casos em que uma pessoa morre, determina que é a sua família que deve cuidar de todos os pormenores relativamente ao funeral e ao velório. Neste caso, não temos a mais pequena dúvida de que é à família que incumbe efectivamente fazê-lo. Mas estamos diante de um caso especial que ultrapassa o foro pessoal e foro familiar na medida em que José Eduardo dos Santos foi, é e será sempre uma figura incontornável do panorama político angolano. A questão deixou de ser uma questão de foro pessoal para passar a ser uma questão de foro político”, considera a professora de direito civil.

Nesta senda, ao defender ontem a possibilidade de o antigo Presidente ser enterrado em Angola, o vice-procurador-geral da República, Mota Liz, garantiu que as filhas do antigo Presidente (Isabel dos Santos e Tchizé dos Santos) que estão em contencioso judicial com o Estado angolano não seriam presas no caso de o funeral decorrer em Angola e argumentou que o antigo chefe de Estado também “é património da Nação”. Contudo, sublinha por sua vez Ana Paula Godinho, “não existe nenhuma figura jurídica que conceda ao antigo Presidente da República o estatuto de património do país.”

Todavia, ao referir “também partilhar da ideia de que ele de facto deva ser sepultado em Angola ainda que para isso seja necessário haver concessões de ambas as partes que neste momento se encontram em conflito”, a professora universitária considera que “temos de ser sensatos de modo a que ultrapassemos esta quezília para que os angolanos possam, alguns deles, pedir perdão porque efectivamente já houve vozes que apareceram a dizer que deveriam um pedido de perdão e, no fundo, todo este movimento no sentido que ele seja enterrado em Angola soa como um pedido de perdão ainda que seja tardio”.

As modalidades das homenagens fúnebres de José Eduardo dos Santos foram objecto de tentativas de negociações durante o passado fim-de-semana entre a família e o governo angolano que pretendia realizar um funeral de Estado, mas as divergências entre as partes impediram qualquer tipo de acordo. Os filhos mais velhos do antigo chefe de Estado, nomeadamente Tchizé dos Santos, acusam o poder angolano de pretender fazer um aproveitamento político desse acontecimento, pouco antes de o país realizar eleições gerais no próximo dia 24 de Agosto.

Numa altura em que continuam a afluir reacções à morte do antigo Presidente, nomeadamente com os Estados Unidos a apresentar esta terça-feira os seus pêsames ao país, a assinatura dos livros de condolências foi aberta ontem nas 18 províncias de Angola aos populares que pretendam prestar homenagem à figura que liderou o destino de Angola durante 38 anos, entre 1979 e 2017.

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