TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: UMA POSSÍVEL RENOVAÇÃO
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Há muitos anos que acredito que a independência dos tribunais não resulta de nenhum mecanismo jurídico ou declaração grandiloquente da Constituição, mas de um facto muito simples: a perspectiva que os juízes têm sobre se um determinado partido vai ou não manter-se no poder indefinidamente. Se sim, os juízes tenderão a ser respeitosos e deferentes para com o poder político, pois sabem que é dele que, no final de contas, vão receber benefícios variados. Pelo contrário, havendo a perspectiva de ocorrerem as alterações habituais no poder político, os juízes poderão ocupar o seu próprio espaço e manifestar independência, pois saberão que não têm um poder eterno a controlar as suas carreiras e benefícios.
O recente Acórdão 1056/2025 sobre a Lei do Vandalismo, emitido pelo Tribunal Constitucional, sugere que pode estar em curso um processo de relegitimação do poder judicial rumo à independência. Em alternativa, pode tratar-se de um mero espaço de arejamento estratégico, destinado a descomprimir a pressão da opinião pública face ao excessivo alinhamento deste Tribunal com o executivo.
Comecemos pela hipótese de o referido acórdão constituir uma viragem na dialéctica entre o poder político-legislativo e a jurisdição constitucional, clarificando os limites do poder legiferante e reforçando a supremacia da Constituição.
Na sua apreciação, o Tribunal Constitucional realizou um exame rigoroso da Lei n.º 13/24 (Lei do Vandalismo), confrontando as suas normas com os princípios basilares do Estado de Direito Democrático consagrados na Constituição. A análise do Tribunal identificou um padrão de excesso legislativo, no qual foram edificadas penas manifestamente desproporcionais, alicerçadas em tipos penais vagos e excessivamente amplos, o que resulta numa inevitável e inconstitucional compressão de direitos fundamentais e na consagração do puro arbítrio.
O Tribunal sentenciou que as penas previstas na lei eram “manifestamente irrazoáveis ou excessivas”. A equiparação da destruição de bens públicos a crimes contra a vida foi o ponto central da crítica. A decisão do Tribunal estabeleceu que colocar a vida humana e a vandalização de património na mesma categoria sancionatória é desproporcional, dado que os bens jurídicos em causa não possuem a mesma dignidade constitucional.
Foram apontados exemplos concretos desta desproporcionalidade:
• Artigo 4.º (Pena de 5 a 10 anos): o Tribunal criticou esta norma, por não graduar a conduta punível, tratando de forma idêntica a destruição total de uma infra-estrutura crítica, como um hospital, e danos parciais de baixo impacto socioeconómico, como a deterioração de mobiliário urbano.
• Artigo 7.º (Pena de 20 a 25 anos): esta moldura penal, aplicável à destruição de infra-estruturas náuticas, ferroviárias ou rodoviárias, foi considerada manifestamente excessiva, pois colocava a vandalização no mesmo patamar sancionatório de crimes como o genocídio (artigo 381.º do CPA) e o homicídio qualificado (artigos 148.º e 149.º do CPA).
• Artigos 5.º e 6.º (Pena de 3 a 7 anos): a pena foi julgada excessiva para a subtracção de bens de “valor diminuto”, definido como um valor que não excede 46.500,00 Kwanzas. O Tribunal considerou que uma privação de liberdade que pode chegar a 7 anos por um furto de valor irrisório é manifestamente desproporcional.
Além disso, o princípio da legalidade penal exige que as normas criminais sejam redigidas com precisão e clareza, para que os cidadãos possam compreender inequivocamente quais as condutas proibidas. O Tribunal concluiu que várias normas da Lei n.º 13/24 violavam esta exigência, uma vez que continham formulações vagas e indeterminadas, comprometendo a segurança jurídica.
Esta aproximação vaga à redacção da norma não é um mero defeito técnico; é uma violação fundamental do contrato constitucional, pois outorga ao Estado um poder arbitrário e impede os cidadãos de compreenderem a fronteira entre a conduta lícita e ilícita, gerando um efeito intimidatório sobre a actividade social e política legítima.
O Tribunal Constitucional afirmou, de forma inequívoca, a sua competência, independência e autoridade como o guardião último da Constituição. A decisão parece demonstrar que nenhum poder, nem mesmo o legislativo, está acima da Lei Fundamental.
Contudo, esta não tem sido a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, pelo que só na continuidade das variadas decisões daqui para a frente se apurará se estivemos perante um mero episódio sem consequência efectiva para a independência do sistema judicial. Será uma mera abertura estratégica ou um espaço de descompressão sobre temas que, na realidade, podem não ser relevantes para a manutenção do poder político? Ou haverá uma actuação tendente a reforçar a independência judicial? É a tendência jurisprudencial futura que confirmará ou negará a independência do poder judicial. A afirmação da independência de um tribunal não se afere por uma ou duas decisões, mas sim pela continuação de uma prática de aplicação da lei que constitua um corpo de decisões com um sentido sólido e previsível.
Até ao momento, a previsibilidade judicial tem sido no sentido de cumprir os objectivos do poder político. Doravante, todos os operadores do Direito estarão atentos à formação ou não de uma nova actividade judicial rumo à efectiva independência.


