GRANDE ENTREVISTA À CNN: PRESIDENTE JOÃO LOURENÇO DIZ QUE NÃO VAI MEXER A CONSTITUIÇÃO E NÃO IRÁ CONCORRER O TERCEIRO MANDATO EM 2027

3dd9e1d8-2bdc-48a4-a372-b036299d4e67

ENTREVISTA CONDUZIDA POR RICHARD QUEST

CNN – Senhor Presidente, muito obrigado por ter concordado estar connosco! Estou bastante agradecido pelo tempo que nos concede. Vamos começar com o 50.º aniversário. A nova nação de Angola surgiu de um período bastante sangrento e difícil e, por 50 anos, o país tem estado a crescer e a desenvolver-se. O que acha ser o grande ganho que estão a celebrar nestes 50 anos?

PR – Bom dia, senhor Richard Quest, bem-vindo a Angola!

De facto, o país atravessou um momento muito difícil, desde os primeiros dias da sua Independência. O país suportou cerca de 27 anos consecutivos de conflito armado, duas invasões externas, a norte e a sul. Felizmente, conseguimos ultrapassar esse longo período difícil. Daí considerarmos que o maior ganho que o país teve nestes 50 anos foi, sem sombra de dúvidas, o alcance da paz, em Abril de 2002.

Esse foi o maior ganho. Tudo o resto veio como consequência da situação de paz que o país vive há cerca de 23 anos.

   CNN- As mudanças que fez quando assumiu o poder, em 2017, tiveram como prioridade o crescimento económico, o que envolve fundamentalmente a reestruturação da economia, concedendo-lhe mais forças de mercado, tornando-a mais virada para o capital. Não foi suficiente?

   PR- Sim, de facto, nessa altura, em 2017, quando chegámos à Presidência, a nossa prioridade foi, em primeiro lugar, procurar criar um bom ambiente de negócios para atrair investimento privado, quer interno quer externo, o que tem vindo a ser conseguido. Isso é um processo, não se faz num dia. E os resultados são bons, porque, efectivamente, estamos a conseguir atrair importantes investidores estrangeiros para apostarem os seus recursos aqui no nosso país.

   CNN- Será que encontrou dificuldades em fazer mudanças, mais do que pensava? Particularmente no que diz respeito à corrupção, não há dúvidas de que melhorou dramaticamente a situação económica do país. O país cresceu consideravelmente, mas é um trabalho árduo. Foi mais difícil do que pensava?

   PR – Sim, confirmo. De facto, o combate à corrupção tem sido mais difícil do que  imaginava. Embora tenha dito em Lisboa, logo no início do meu primeiro mandato, que, na luta contra a corrupção, eu estava à espera de ser picado pelos “marimbondos”.  Essa expressão ficou registada, significava dizer que haveria reacções. Ninguém queria perder aqueles privilégios – entre aspas-, que tinham de mão-beijada. Portanto, ia ser uma luta, e está a ser uma luta.

Eu recordo que, na altura, a lei concedeu um período para que as pessoas entregassem voluntariamente os activos que indevidamente tinham retirado do Estado. Salvo raras excepções, praticamente ninguém o fez. Dessa forma, tivemos de deixar que a Justiça fizesse o seu trabalho, e tem vindo a fazer. E, mesmo assim, aqueles que perderam os tais privilégios continuam a manter resistência, de várias formas.

   CNN- Pensa que a cultura mudou? Até certo ponto, a antiga geração já não vai mudar. Mas a cultura deve mudar para a próxima geração. Pensa que há agora entendimento de que a corrupção não é aceite? Há ainda muito trabalho por se fazer?

   PR- Sim. Nós lançámos a semente e, portanto, a planta está a crescer. Alguém vai ter que dar continuidade. Eu acredito que, daqui para a frente, nunca mais será como foi antes, porque, de facto, a corrupção prejudicou bastante o desenvolvimento económico e social do nosso país.

   CNN – Vamos falar sobre o crescimento do país. A economia não petrolífera, a diversificação do sector, é crucialmente importante. Também vossas alianças são muito importantes. Será que terão que escolher entre os Estados Unidos e a China? Onde está a vossa preferência?

   PR – Está a falar da necessidade de diversificar a economia angolana, de não depender apenas dos recursos do petróleo. Mas, em relação aos parceiros que Angola arranjou e com os quais deve trabalhar no sentido de atingir o objectivo de reforçar a sua economia, o que posso dizer é que todos são bem-vindos. Não há necessidade de excluir um para prevalecer outro. Temos boas relações e cooperação económica com vários países, no caso concreto desses países que acabou de citar, nomeadamente os Estados Unidos da América e a China, e outros. O mundo não se resume apenas a essas duas grandes potências.

   CNN- Percebi. Mas será que têm alguma preferência? Estão alinhados com os Estados Unidos, com o Ocidente, ou não?

   PR – Nós optámos pela economia de mercado. E, obviamente, quando se fala em economia de mercado, os Estados Unidos são os principais promotores. Mas, deixe-me dizer-lhe que todo mundo hoje reconhece que a China é a fábrica do mundo. E sendo a fábrica do mundo, naturalmente, não podemos prescindir de cooperação económica com um parceiro tão importante.

Basta dar-lhe um exemplo:  quando surgiu a pandemia da Covid-19, todo o mundo recorreu à China para comprar equipamentos – e não me refiro tanto a vacinas, mas toda a outra logística para fazer o combate à Covid 19 -; quase todo o mundo recorreu ao mercado chinês. Porque é aquele que tinha maior capacidade de produção em grandes quantidades e em curto espaço de tempo, quando estávamos sob pressão.

     CNN- Se olharmos para África e para o comércio intra-africano – e participei em várias conferências -, a visão é que o montante de comércio entre países africanos deve crescer consideravelmente. E África, muitas vezes, é o seu próprio inimigo. Na aviação, por exemplo, é preciso ir ao Dubai para viajar para um país africano. Há barreiras aduaneiras. Concorda que ainda há muito por se fazer e que os líderes africanos devem implementar mudanças fundamentais para melhorar o comércio intra-africano?

     PR- Para nós melhorarmos o comércio inter-africano – é o desejo dos nossos países-, precisamos de cuidar, sobretudo, de uma coisa que se chama investimento em infra-estruturas. Daí termos realizado aqui em Luanda, há dias, uma cimeira da União Africana em que o tema foi precisamente a mobilização de financiamento para infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento do continente.

Para haver comércio, é preciso haver mobilidade. Temos que ter aeroportos,  portos, caminhos-de-ferro que interliguem os vários países, autoestradas. A Europa é muito mais pequena do que o continente africano, mas, em termos de quilómetros de autoestradas, tem muito mais do que o nosso continente.

Portanto, temos que investir em tudo isso, em infra-estruturas de produção de energia, não apenas para cada país individualmente, mas para que um possa produzir e fornecer a mais três ou quatro. Temos que nos bater pela integração. E não há integração sem infra-estruturas energéticas, de telecomunicações e de outro tipo.

        CNN- Mas leva-se sempre tempo. Parece que os países africanos falam muito e nunca alcançam o potencial. Qual é o problema? Eu venho a este continente há cerca de 30 anos. Há melhorias, mas não suficientes…

         PR – Para além da vontade política dos governantes africanos, que é importante, é preciso também haver capacidade de mobilização de capital. Capital esse que, em parte, existe aqui no próprio continente. Não temos que olhar só para fora.

É preciso que consigamos mobilizar esse enorme capital financeiro que o continente tem e que não está a ser utilizado em seu próprio proveito, para financiar estas infra-estruturas a que me estou a referir.

     CNN- Podemos falar sobre algumas questões aqui em Angola.

Houve distúrbios civis no início deste ano. Alguns críticos disseram que houve muita violência, que as forças utilizaram muita violência. Como responde às críticas dos manifestantes contra o corte dos subsídios aos combustíveis? Eles reagiram, mas a resposta das forças de segurança foi mais forte.

     PR – Eu considero que não. A reacção foi à medida da ameaça, porque o que se passou não foram meras manifestações. As manifestações, quando são pacíficas, não põem em causa vidas humanas, nem o bem público e privado, obviamente que os governos não têm razões que justifiquem o emprego de violência.

Portanto, a reacção do Governo foi porque o que aconteceu não foram meras manifestações. Foram uma espécie de rebelião, que destruiu património tanto público como privado. E, nessas situações, é obrigação de qualquer Estado proteger o património público e privado.

   CNN – Há essas críticas contra a sua administração sobre algumas leis, especialmente sobre a liberdade de imprensa e das redes sociais. Há entidades que dizem haver grande potencial de se abusar dessas leis. Porquê que essas leis foram criadas e como responde às criticas de que essas leis são uma abordagem antidemocrática?

   PR – Eu não sei se há muitos países africanos, e não só, com tanta liberdade de expressão e liberdade de imprensa como em Angola. Para quem conhece a realidade angolana, com certeza que concordará com o que acabo de dizer.

Hoje, para além da imprensa oficial, existe um elevado número de rádios comunitárias, jornais, para além da existência e liberdade das plataformas digitais. Mesmo em períodos de eleição, nunca o Governo angolano cortou a internet ou algo parecido, como às vezes é feito em certos países.

Portanto, não é justo dizer-se que não há ou que há pouca liberdade de expressão, liberdade de imprensa em Angola.

    CNN- Mas os críticos pensam, tendo lido as leis de outros países, que há probabilidade dessas leis serem abusadas. Este é o problema. Talvez não seja a sua Administração, mas a Administração futura possa abusar dessas leis…

    PR – Eu não penso que exista esse perigo de as Autoridades utilizarem a lei para atropelar a liberdade de expressão e de imprensa. Eu posso garantir-vos que essa ameaça não existe. Imprensa livre está aqui em Angola. Cobre todas as nossas actividades e, em princípio, há-de continuar a ser assim.

   CNN- Agora, a parte mais difícil da entrevista. Em 2027, vai apresentar-se como candidato à Presidência? Ou aceita que não é elegível para um terceiro mandato, já que a Constituição só permite dois? Vamos ser claros: tenciona candidatar-se novamente em 2027?

   PR – O senhor jornalista acabou de dizer – não sou que o estou a dizer, porque conhece a nossa Constituição e Lei – que a Constituição só permite dois mandatos. Portanto, se me diz isso, está a colocar-me uma não-questão. É uma não-questão! Vocês próprios reconhecem que a Constituição angolana só permite dois mandatos. Se só permite dois mandatos, o simples facto de fazer-me essa pergunta significa que está a admitir a hipótese de violarmos a Constituição. Coisa que não vai acontecer. Nós respeitamos a Constituição e a Lei !

   CNN – Então pergunto: tem intenção de tentar mudar a Constituição para permitir um terceiro mandato?

   PR – Vou ajudar-lhe a entender um bocado a política angolana. Para se fazer alteração à Constituição, é preciso que quem tenha essa intenção, tenha ou a maioria qualificada de dois terços ou a capacidade de mobilização de outros grupos no Parlamento para constituir essa maioria qualificada, para poder alterar a Constituição.

Nós, enquanto Presidente e ainda no meu primeiro mandato, altura em que o partido que presido, o MPLA, tinha essa tal maioria qualificada que lhe permitia alterar a Constituição, nós alterámos a Constituição. E tivemos, na altura, a possibilidade de alterarmos essa mesma Constituição na dimensão que quiséssemos. Nós podíamos alterar tudo e fazer até quase uma nova Constituição. Portanto, se houvesse essa pretensão de eu ficar no poder como Presidente da República por mais do que dois mandatos, por mais do que 10 anos, teríamos retirado apenas um artigo. Teríamos feito alteração desse artigo e talvez hoje a pergunta teria sido outra e não esta que acaba de fazer-me.

Portanto, para ser claro, a evidência de que nós nunca quisemos alterar o que estava entendido na altura – que o Presidente da República deveria fazer apenas dois mandatos -, é que nós fizemos uma alteração constitucional, mexemos em coisas que são, chamemos-lhe, de menor importância. Tivemos a oportunidade de mexer nesse tal artigo que me daria a possibilidade de fazer um terceiro mandato. E não fizemos, nem fomos forçados por ninguém a não fazer. Foi vontade nossa de não o fazer.

     CNN – Quando deixar a Presidência em 2027, o que dirá ter sido o seu maior marco alcançado?

     PR- Penso que o legado que vou deixar, em princípio, é o legado de ter dado continuidade e aprofundado o processo de reconciliação nacional iniciado pelo meu antecessor, Presidente José Eduardo dos Santos.

Penso que isso será uma marca. Por outro lado, a atenção particular que venho prestando ao sector social, particularmente ao sector da Saúde, onde estamos a fazer uma verdadeira revolução. Portanto, esta marca também há-de ficar. A atenção que prestamos à resolução do problema sazonal da seca no Sul de Angola, que anos atrás matava pessoas e gado, e hoje não acontece. Estamos a fazer investimentos estruturais que são para ficar, infra-estruturas que são para ficar, como grandes barragens e canais para levar água para as populações. Portanto, isso sempre vai ficar, porque o rio Cunene sempre esteve lá. Nunca ninguém tirou de lá o rio Cunene e nós conseguimos tirar o melhor proveito do rio Cunene, que passa pela província do Cunene.

     CNN- Há ainda outro ponto: Angola, no século XXI, descriminalizou as relações homossexuais. Este é um grande marco em África, onde muitos países caminham no sentido contrário. É algo de que se orgulha?

     PR – Sim! Nós sempre fomos contra qualquer tipo de discriminação: racial, de classe social, de género, de orientação sexual. Nós sempre fomos contra todo tipo de discriminação. E isso só nos torna mais fortes e a nossa sociedade só sai a ganhar com isso.

    CNN- Senhor Presidente, foi uma honra estar consigo. Muito obrigado!

  PR- Muito obrigado!

Você não pode copiar o conteúdo desta página