NOVA CIMANGOLA COLONIAL MERGULHADA EM CORRUPÇÃO: UMA FÁBRICA, DOIS PAÍSES

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Em 2015, a empresa estatal Cimangola contraiu uma dívida de 30 milhões de dólares junto do Banco Montepio, para construir a unidade industrial Nova Cimangola II. Em Setembro de 2023, essa dívida foi adquirida pela empresa Transkamba por apenas 6,5 milhões de dólares, pagos com fundos da própria Cimangola. Pouco depois, a empresa estatal passou a pagar 39 milhões à Transkamba, com entregas diárias de cimento. Este é o enredo explosivo que envolve a Nova Cimangola, empresa tutelada pelo Estado angolano, sob gestão do cidadão português Pedro Mariano Campos Pinto, que montou uma complexa teia de transacções com ligações directas à sua rede pessoal de interesses. A operação passou por bancos, empresas de fachada e contratos manipulados, deixando no ar suspeitas de favorecimento pessoal, desvio de fundos públicos e manipulação de activos com chancela institucional.

Compra de créditos

O presidente da Comissão Executiva (PCE) da Cimangola, Pedro Pinto, montou um esquema de aquisição da dívida de 30 milhões de dólares, contraída junto do Banco Montepio, de Portugal, a 29 de Julho de 2015. O empréstimo serviu para a montagem da segunda unidade de produção do Sequele, a Nova Cimangola II, no município de Cacuaco, em Luanda. Até Março passado, o referido gestor exerceu a função de presidente do Conselho de Administração (PCA). Nesse mês, o político Agostinho da Silva, ex-vice-governador de Cabinda e do Bengo, sucedeu-o no cargo de PCA.

Pedro Mariano Campos Pinto, presidente do Conselho de Administração da Comangola até Março de 2025

Como é que foi montado o esquema? Em Setembro de 2023, a empresa Transkamba, detida integralmente pelo cidadão chinês Wei Lin, adquiriu a dívida da Nova Cimangola ao Montepio Geral por apenas 6,5 milhões de dólares. Fê-lo com fundos providenciados pela própria cimenteira nacional. Entretanto, a 24 de Outubro de 2024, a mesma Nova Cimangola negociou o pagamento da dívida à Transkamba, já orçada em 39 milhões de dólares com juros, com entregas diárias de cimento. Com esse esquema, a Transkamba embolsa 39 milhões de dólares sem ter gastado do seu bolso uma moeda de cobre ou uma simples nota de um dólar.

Sublinhemos bem: uma dívida de 30 milhões de dólares da Cimangola foi comprada pela Transkamba por 6,5 milhões de dólares ao banco emprestador, com dinheiro da própria Cimangola. E agora a Transkamba tem um crédito de 39 milhões de dólares sobre a Cimangola.

Contactada pelo Maka Angola, a Nova Cimangola confirma a transacção. Segundo a empresa, isso permitiu “reduzir o nível de endividamento”, “reforçar o balanço” e “minimizar exposição cambial”, alegando que o pagamento em cimento representaria um “desconto muito considerável” face ao custo de produção. O Maka Angola publica aqui o questionário com as respostas integrais do Conselho de Administração da Cimangola, para análise cabal dos leitores.

“Uma das condições exigidas pelos bancos financiadores foi a capitalização dos juros vencidos ao longo de cerca de três anos, período em que a Nova Cimangola esteve em processo de reestruturação financeira. Isso levou a um aumento da exposição de todos os bancos financiadores, o que no caso do banco estrangeiro – Caixa Económica Montepio Geral – consubstanciou num aumento de exposição em cerca de USD 9M [nove milhões de dólares]”, afirma a empresa.

A Nova Cimangola adianta também que, “durante o processo de reestruturação, o banco Montepio deixou claro que a intenção seria reestruturar o financiamento, para que pudesse de seguida viabilizar a venda da sua posição e deixar de ter exposição a empresas da Eng.ª Isabel dos Santos e a Angola”.

Segundo a Nova Cimangola, após a sua reestruturação, “encontrou-se numa situação de mora, o que acarretou o pagamento de juros de mora, dado que seriam necessárias divisas para fazer face ao serviço de dívida do Montepio e as mesmas eram (e continuam a ser) escassas”.   

O Banco Montepio, refere a resposta, “realizou várias iniciativas para tentar vender o crédito sem, no entanto, ter despertado o interesse de algum banco nacional ou estrangeiro. Neste contexto, o referido banco alargou o espectro a sociedades não financeiras e solicitaram o apoio da Nova Cimangola, no sentido de verificar se haveria algum cliente da empresa que poderia estar interessado em adquirir o crédito. Foram sondados vários clientes, tendo a Transkamba demonstrado interesse na operação de aquisição de crédito malparado”.

A Nova Cimangola manifesta ter sido alheia “às propostas, negociações, termos e condições da venda do crédito, com excepção de ter solicitado que este crédito não fosse pago em USD, mas sim por encontro de contas pelo fornecimento de cimento, respeitando o pari passu previsto contratualmente”.

De acordo com a documentação consultada pelo Maka Angola, a correspondência, por via electrónica, de negociação, transferência da dívida à Transkamba e pagamentos desta ao Montepio foi meticulosamente instruída e rastreada por Pedro Pinto e o seu director jurídico, André Barreiros, compatriota de Pedro Pinto, com Ricardo Pinto Bastos, do Montepio, e Banco de Crédito do Sul (BCS). Wei Lin aparece apenas em cópia.

“Finalmente, será de salientar que a Nova Cimangola tem conhecimento que a transmissão do crédito foi assessorada por empresas de consultoria e firmas de advogados de primeira linha e escrutinada pelo Banco Nacional de Angola, Banco de Portugal e Banco Central Europeu”, afirma a empresa.

Transkamba entre kambas

A 24 de Outubro de 2024, a Transkamba, entrou em contacto com o Banco BIC, o líder do sindicato bancário de créditos à Cimangola, informando sobre o contrato-promessa que celebrou, no mesmo dia, para cessão de 75 por cento da dívida adquirida junto do Montepio à Sociedade de Fomento Industrial (SFI), no valor de 25,8 milhões de dólares. O Banco BIC concordou e consentiu a operação, apondo as assinaturas das suas directoras de área e centros de empresa – respectivamente, Dácia Nascimento e Mafalda Carvalho – na referida comunicação.

Por sua vez, a 18 de Março de 2025, o actual PCE da Cimangola, Pedro Pinto escreveu ao Instituto de Gestão de Activos e Participação do Estado (IGAPE), comunicando a venda da sua participação, de apenas 0,10%, no capital da empresa, à SFI por um milhão de dólares. A Transkamba, a Andali, a SFI e Wei Lin partilham todos o mesmo endereço sede, que é também a residência oficial do cidadão chinês. A SFI S.A. tem como administrador único Carlos Alberto Nóbrega Rey. Trata-se de mais uma manobra de valorização artificial de activos. Este conjunto de operações evidencia a interligação entre Pedro Pinto, a Transkamba e a SFI, com o objectivo de misturar dívida e acções directas sob o mesmo controlo.

Por sua vez, a sociedade justifica que “a venda de 0,10% do capital social da Nova Cimangola à SFI respeitou todos os trâmites legais e estatutários previstos para a alienação de acções, nomeadamente o exercício do direito de preferência dos restantes accionistas”. Informa ainda que “nenhum dos accionistas exerceu o direito de preferência, tendo o IGAPE, na qualidade de fiel depositário das participações da Ciminvest, enviado um ofício à Nova Cimangola alegando que não exerceria o direito de preferência”. Desse modo, “a participação de 0,10% do capital social da Nova Cimangola, anteriormente detida pelo Dr. Pedro Pinto, foi vendida à SFI, nos termos e condições pelas partes acordadas, não havendo qualquer ligação à operação de cessão da dívida sindicada”.

O esquema das comissões

A partir do final de 2019, Pedro Pinto, estruturou os pagamentos relativos à exportação de clínquer para a empresa espanhola PSE Cement Trading S.A., através do modelo FOB (Free on Board, que significa que o vendedor é responsável por todos os custos e riscos até que a mercadoria seja embarcada no navio designado pelo comprador; a partir do momento em que os bens estão a bordo, o comprador assume os riscos e custos, incluindo transporte internacional, seguro, taxas alfandegárias e entrega final).

Conforme documentos em posse do Maka Angola, enquanto a tonelada métrica de clínquer exportada pela Cimangola valia, em média, 55 a 60 dólares no mercado internacional, esta vendia à PSE por 28 dólares a tonelada. Por sua vez, em forma de comissão, a PSE pagava a empresas que serviam como “barrigas de aluguer”, sendo uma parte significativa das receitas desviada sob a forma de comissões para empresas controladas por Pedro Pinto e associados.

Entre 2022 e 2023, a PSE pagou mais de nove milhões de dólares à Andali (US$ 6,8 milhões), Techbelt (US$ 1,7 milhões), e o restante a Wei Lin. Em Junho de 2023, o cidadão chinês recebeu uma comissão de US$ 470 000, na sua conta no Novo Banco, em Portugal, equivalente a cinco por cento da venda de 47 mil toneladas de clínquer à PSE.

Sobre a possibilidade de sobrefacturação, Pedro Pinto declarou ao Maka Angola que “não existem indícios documentados de sobrefacturação na Nova Cimangola”, reafirmando ainda que a empresa “é auditada pela Deloitte (externa) e apoiada pela KPMG no que respeita à auditoria interna, não tendo quaisquer reservas de auditoria registadas”.

A papelada consultada pelo Maka Angola demonstra que os pagamentos de comissões à Andali e à Transkamba foram depositados em Angola e que esses fundos serviram para adquirir a dívida ao Montepio, em operações realizadas através do Banco de Crédito do Sul (BCS).

Formalmente, a Andali tem como proprietário Francisco Paulo Salvador Vaz e filhos. Porém, o endereço da Andali é o mesmo da Transkamba e da residência oficial de Wei Lin, no município e distrito urbano de Viana, Bairro Km 35, casa s/n.°, “nas imediações do antigo Controlo da Polícia”. Esse mesmo endereço também é a sede da Sociedade de Fomento Industrial (SFI), cuja participação no enredo adiante se explicará.

Por sua vez, a Techbelt, com sede em Aveiro, Portugal, é detida pelo cidadão António Santos, ex-director de compras da Nova Cimangola, que ora actua como um dos principais fornecedores externos de equipamentos para a cimenteira angolana.

Em relação ao contrato de exportação de clínquer com a espanhola PSE Cement Trading, a Cimangola justifica o modelo FOB como forma de “minimizar responsabilidades” numa situação de “escassez de divisas” e afirma que os preços foram definidos “respeitando o preço de referência internacional para a África Subsariana”.

Apesar das evidências documentais que mostram o envolvimento directo de Pedro Pinto e André Barreiros nas negociações e fluxos financeiros, a empresa insiste que os esclarecimentos foram prestados ao IGAPE e Ministério do Comércio e Indústria “por escrito e posteriormente em reuniões presenciais”.

“A Nova Cimangola foi reconhecida pelo Executivo com os prémios de maior produtor de cimento em Angola e o prémio de maior exportador do país do sector não petrolífero”, justifica a direcção da empresa.

Para já, todos os contratos assinados entre a PSE Cement Trading e a Andali, em nossa posse, são rubricados por Wei Lin, como patrão da empresa.

Conclusão

O caso Nova Cimangola expõe um modus operandi de manual: um gestor público estrutura esquemas financeiros complexos com aparência de legalidade, mas que, na prática, resultam no desvio de valor estatal para círculos privados ligados a si mesmo. As justificações formais não escondem os rastos evidentes de conflitos de interesse, valorização artificial de activos e um ciclo de opacidade que envolve entidades estatais, bancos e empresas de fachada.

Tudo isso se desenrola sob o olhar cúmplice – ou distraído – das autoridades de supervisão, num país onde a promiscuidade entre poder político, interesses empresariais e gestão pública continua a ser terreno fértil para a impunidade.

NÃO PERCAM A SEGUNDA PARTE SOBRE A PILHAGEM DA NOVA CIMANGO… M.A

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