A BURRA PARIU UM CACHORRITO – KAMALATA NUMA

Esta é a crónica do enterro oficial do combate à corrupção em Angola.
A notícia correu ligeira, mais rápida que o cambista na porta do Kinaxixi: o Tribunal Supremo anulou a acusação contra Joaquim Sebastião, antigo czar do asfalto no Instituto Nacional de Estradas. De repente, o homem que era acusado de transformar quilómetros de betão em toneladas de dólares reaparece limpo como recém-baptizado. E a justiça angolana, qual mãe cansada, deu à luz não a um veredicto robusto, mas a um cachorrinho anémico — eis o acórdão; o parto difícil do Supremo.
A metáfora impõe-se: a burra pariu um cachorrito.
Esperava-se que o Supremo Tribunal desse à luz um marco na história judicial de Angola, um documento sólido, exemplar, um monumento à seriedade. Saiu, em vez disso, um texto jurídico raquítico, que mais parece desculpa de estudante apanhado a colar no exame.
Os juízes não apenas cortaram a fita vermelha do processo, como ainda devolveram ao arguido o património apreendido, as contas bloqueadas e até a honra de homem injustiçado. Só não devolvem a paciência do povo, que já não tem saldo para tamanha comédia, num julgamento com casa alugada.
O episódio ganha ares de tragicomédia quando se descobre que um dos juízes morava numa casa apreendida… ao próprio Joaquim Sebastião. Agora terá de devolver as chaves, a não ser que Sebastião, num gesto de magnanimidade cristã, lhe permita continuar como inquilino de cortesia determinada pela criatividade jurídica do Supremo.
O Supremo Tribunal, em vez de decidir segundo a lei, decidiu segundo a imaginação. Reconheceu que o Tribunal da Relação errou ao admitir o recurso, mas optou por não corrigir o erro. Genial! É como o árbitro admitir que marcou penálti errado, mas mantém o golo “para não estragar o jogo”. Este é o nível técnico-jurídico a que chegámos: o Supremo Tribunal inventa e chama-lhe jurisprudência. É assim que o combate à corrupção morre no parto.
Com este acórdão, o combate à corrupção foi oficialmente enterrado. A sentença não absolve apenas Sebastião; absolve também outros corruptos que seguem no cardápio. Se num caso de tamanha visibilidade os juízes encontraram desculpas processuais, que esperança restará nos outros? Agora, nenhum procurador ousará acusar, nenhum juiz ousará julgar, pois tudo pode ser revertido. O sistema entrou em modo “não me comprometa”.
A burra, neste caso, é o sistema judicial angolano: pesado, lento, de passos incertos. O cachorrinho é o acórdão: frágil, sem pedigree, nascido torto e incapaz de latir contra os poderosos.E o dono do canil? É o regime, que agora vê a sua maior bandeira política — o combate à corrupção — reduzida a pó de estrada esburacada num epílogo: enterro com honras de Estado.
O “combate à corrupção” não caiu por falta de provas, mas por excesso de vícios. Foi conduzido de forma politizada, amadora e, em muitos casos, oportunista. O Supremo apenas colocou a lápide na campa. No lugar de reformas sérias, ficamos com salários irrisórios para governantes, nomeações baseadas em compadrio, e uma justiça que confunde imparcialidade com conveniência.
E assim se conclui a epopeia: a burra pariu um cachorrinho, e Angola herdou mais um capítulo de tragicomédia institucional. O povo, esse, continua à espera de que um dia a justiça deixe de ser burra — e comece a parir dignidade.
OBRIGADO!