“UM COMBATE À CORRUPÇÃO QUE PERSEGUE INOCENTES E QUE TRANSFORMA EMPRESÁRIOS EM INIMIGOS POLÍTICOS”- IRENE NETO

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A filha do primeiro Presidente angolano, Irene Alexandra da Silva Neto, considera que a manutenção da prisão do marido Carlos de São Vicente, após cumprir metade da pena a que foi condenado em 2022, se deve a “um combate à corrupção que persegue inocentes e transforma empresários em inimigos políticos”. A justiça angolana negou, pela quarta vez consecutiva este ano, o pedido de liberdade condicional do empresário.

Através de um artigo intitulado ‘Combate à corrupção: entre a justiça, o populismo e a responsabilidade’, Irene Neto criticou a justiça angolana e a forma como esta tem sido usada para manter em situação carcerária o empresário Carlos de São Vicente, o que na sua opinião confirma a convicção de que a justiça em Angola tem servido de instrumento de “vingança” e não de “equilíbrio, transparência e protecção da dignidade humana”.

“Um combate à corrupção que persegue inocentes, que transforma empresários em inimigos políticos, que confisca patrimónios sem provas sólidas e que se mostra indiferente ao destino de famílias inteiras, não é um combate justo. É apenas uma troca de protagonistas, que mina a confiança da sociedade e fragiliza o Estado de direito”, relata no artigo a antiga vice-ministra das Relações Exteriores.

“Esta é a quarta vez, em 2025, que lhe é ilegalmente negada a liberdade. Uma vez mais, os artigos 564.º e 66.º do Código do Processo Penal e o artigo 59.º do Código Penal foram violados”

“Em diversos casos”, acrescenta a mulher do empresário, “a reversão de património para o Estado ocorreu sem provas sólidas de corrupção, atingindo não apenas os acusados, mas também famílias inteiras, terceiros inocentes e dependentes económicos, que nada têm a ver com as acusações”.

“É legítimo perguntar: será isto justiça ou vingança política? Como podem sobreviver famílias privadas de todo o seu sustento?”, questiona, para a seguir oferecer uma resposta: “Tal prática levanta sérias preocupações quanto ao respeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça equilibrada e da protecção de direitos fundamentais, consagrados na Constituição angolana e em tratados internacionais ratificados pelo país. Angola tem de cumprir as suas obrigações internacionais, incluindo as recomendações da ONU e de organizações de direitos humanos”.

Os Serviços Prisionais deveriam ter remetido ao Tribunal da Comarca de Luanda, a 26 de Abril de 2024, o expediente para a libertação condicional de Carlos de São Vicente, porém, tal não aconteceu como determina a lei.

Detido preventivamente em Setembro de 2020, o empresário foi acusado de praticar crimes de peculato, branqueamento de capital e fraude fiscal por via de um alegado desvio de 900 milhões de dólares da Sonangol, e acabou condenado dois anos depois da sua detenção.

“Esta é a quarta vez, em 2025, que lhe é ilegalmente negada a liberdade. Uma vez mais, os artigos 564.º e 66.º do Código do Processo Penal e o artigo 59.º do Código Penal foram violados”, descreve Irene Neto, sendo que “a terceira vez foi em 2024, quando em Junho do mesmo ano atingiu metade do tempo de prisão. Não foi solto porque o seu processo ficou retido ilegalmente na Direcção Geral dos Serviços Prisionais do Ministério do Interior e o Tribunal da Comarca de Luanda não tomou qualquer decisão, em desconformidade com a Lei”.

A segunda vez que São Vicente viu negado do direito de beneficiar de liberdade ocorreu em 2024, pouco tempo de depois de, em Novembro de 2023, o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas ter aprovado a ‘Opinião 63/2023’, que solicitava “a sua libertação imediata”. “Não foi solto porque Angola não implementou a referida Opinião, em desrespeito às suas obrigações internacionais”, salienta no artigo, lembrando que a primeira vez foi quando foram enviados sucessivos pedidos de habeas corpus que não foram atendidos.

São Vicente foi condenado a nove anos de prisão efectiva, estando privado de liberdade condicional desde 26 de Junho de 2024, altura em que atingiu o cumprimento da metade da pena.

“E se a justiça erra? A justiça é exercida por homens falíveis. Pode errar por adopção de legislação inconstitucional, por pressa insensata em aprovar medidas insuficientemente ponderadas, por condicionantes políticas ou institucionais. Mas se erra, tem de ter a humildade de o admitir. A grandeza de um sistema judicial não está em nunca falhar, mas em reconhecer os seus erros e reparar as injustiças causadas”, considera Irene Neto no artigo.

São Vicente está privado de liberdade há cinco anos e, segundo relato da família, “padecendo de doenças graves”. “Cumpra-se a lei e devolva-se o cidadão à liberdade e à sua família. Se a justiça se converte em espectáculo e vingança, não em equilíbrio e verdade, que futuro podemos esperar deste presente justicialista?”, conclui a mulher do empresário.

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