ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS ANGOLANAS ESCREVEM PARA A ONU A COBRAR INVESTIGAÇÃO AO “MASSACRE DE JULHO DE 2025”

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Cinco organizações não-governamentais (ONG) angolanas formalizaram, nesta terça-feira, 23, um pedido às Nações Unidas de constituição de uma “Missão de Apuração de Factos para Investigar o Massacre de Julho em Angola”. O pedido refere-se aos acontecimentos de 28, 29 e 30 de Julho deste ano, quando as forças de defesa e segurança angolanas assassinaram pelo menos três dezenas de cidadãos indefesos.

A ‘carta aberta conjunta’, subscrita pelas ONG Omunga, MUDEI, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), Handeka e a Friends of Angola, é dirigida ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e visa apelar àquela organização mundial a constituir uma missão com o mandato de documentar as violações cometidas entre os dias 28 e 30 de Julho de 2025, assim como investigar o padrão mais amplo de repressão em Angola.

O pedido, que busca igualmente identificar os responsáveis, determinando responsabilidades individuais e de comando pelas violações registadas nos dias do “massacre”, pretende também recolher e preservar provas para futuros processos de responsabilização, bem como examinar factores sistémicos que possibilitaram as violações de Julho deste ano e outras anteriores.

Nos dias 28, 29 e 30 de Julho de 2025, durante a greve dos taxistas contra o aumento dos preços dos combustíveis — uma paralisação convocada pelas associações de taxistas de Luanda — as forças de defesa e segurança angolanas partiram para aquilo que foi classificado como uma barbárie, com a Polícia Nacional (PN) a actuar com força repressiva desmedida, executando sumariamente manifestantes desarmados, assim como agredindo, referindo e prendendo outras centenas.

“Relatos credíveis indicam que pelo menos 30 civis foram mortos, mais de 177 ficaram feridos e mais de 1 500 foram detidos arbitrariamente pelas forças de segurança angolanas, que recorreram à força excessiva e desproporcionada, incluindo munições reais contra os manifestantes desarmados”, referem as organizações não-governamentais na carta aberta conjunta.

As cinco ONG entendem que “a natureza sistemática das violações, a escala das vítimas, o padrão de impunidade e a ausência de mecanismos internos de responsabilização criam fundamentos convincentes para a intervenção da ONU”. No entanto, o facto de Angola não ter ratificado o ‘Estatuto de Roma’ — tratado internacional que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional — torna, na opinião das subscritoras, “uma Missão de Apuração de Factos da ONU o único caminho viável para a responsabilização internacional”.

“Os olhos da comunidade internacional estão sobre nós. A história julgará se as Nações Unidas cumprirem o seu compromisso fundamental com a dignidade humana e o Estado de Direito perante tais violações graves. As vítimas do massacre de Julho de 2025, as suas famílias e o povo de Angola merecem nada menos que o nosso compromisso inabalável com a verdade, a justiça e a responsabilização”, salientam no documento as ONG angolanas, colocando-se à disposição da Missão da ONU para “fornecer todas as provas, testemunhos e documentação disponíveis para apoiar a busca por justiça”.

Declarações Oficiais da ONU
Por altura dos acontecimentos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) já havia expressado “grave preocupação” em relação aos acontecimentos de Julho. A 31 de julho, o porta-voz do organismo, Thameen Al-Kheetan, afirmou que “as autoridades em Angola devem realizar investigações rápidas, completas e independentes sobre a morte de pelo menos 22 pessoas…”

“Imagens não verificadas sugerem que as forças de segurança usaram munições reais e gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes, o que aponta para um uso desnecessário e desproporcional da força”, comentou, na ocasião, Thameen Al-Kheetan.

Acção repressiva da Polícia Nacional

Relatórios de ONGs Internacionais
A Amnistia Internacional, por seu turno, documentou os assassinatos de Julho de 2025 como parte de um padrão sistemático de violência estatal, ao afirmar na ocasião que “os assassinatos, ferimentos e detenções em massa constituíram graves violações de direitos humanos que exigem responsabilização e justiça para as vítimas.”

Padrão de Impunidade
As ONG angolanas referem-se a um alegado “padrão de impunidade” na actuação das autoridades angolanas e consideram que o “massacre de Julho de 2025 representa a continuação de violações sistemáticas documentadas por organizações internacionais”, apontando como exemplo os seguintes factos:

Maio de 2015: A polícia angolana declarou que 13 foram mortos no Monte Sumi, Huambo, mas a UNITA e activistas afirmam que mais de 1 000 civis foram mortos pela polícia e forças armadas.

Janeiro de 2021: Mais de 100 mortos em Cafunfo, província da Lunda Norte.

Maio de 2022: Dois mortos durante greve sindical de construção em Cambambe.

Junho de 2023: Três mortos, incluindo uma criança de 12 anos, na província do Huambo.

Novembro de 2020: Assassinato de Inocêncio de Matos durante protesto pacífico em Luanda.

A Human Rights Watch, no seu Relatório Mundial de 2025, documentou que “ao longo de 2024, a polícia angolana foi credivelmente implicada em assassinatos, violência sexual, uso excessivo da força, detenções arbitrárias, tortura e outros maus-tratos contra activistas e manifestantes”, sendo que “nenhum autor foi responsabilizado por estes assassinatos, demonstrando impunidade sistemática”.

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