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SIC, JUSTIÇA E O TEATRO NACIONAL DA HIPOCRISIA – KAMALATA NUMA

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Angola continua a ser um país fascinante. Não pelo petróleo que já não chega, nem pelos diamantes que desaparecem em malas diplomáticas, mas pela extraordinária capacidade de transformar a realidade num teatro de sombras. O palco está armado: eis o Serviço de Investigação Criminal (SIC), heróico guardião da moral e da segurança nacional, a anunciar com trombetas a detenção do Presidente da ANATA.

Os crimes? Associação criminosa, incitação à violência, atentado contra a segurança nos transportes e terrorismo. Palavras grandes, solenes, que caem como martelos na cabeça dos pequenos. É curioso: no dicionário da justiça angolana, “terrorismo” é sinónimo de manifestar-se contra o preço do táxi, “incitação à violência” é reclamar salário em dia, e “associação criminosa” é quando três cidadãos decidem partilhar o mesmo banco de jardim para protestar.

Mas não sejamos injustos. O SIC cumpre a sua missão com devoção quase religiosa: prender pobres, desempregados, taxistas e jovens com cartazes mal impressos. Afinal, são estes os verdadeiros inimigos da pátria. Os outros — os que assinam ajustes directos de centenas de milhões de dólares, os que desviam dinheiro da merenda escolar, os que transformam o erário público em conta pessoal, os que têm mansões em Lisboa e Miami — esses não são criminosos, são estadistas visionários.

Quando o artigo 30.º da Constituição garante o direito à vida, os cidadãos acreditam que estão protegidos. Mas só até descobrirem que a Constituição, em Angola, é como o regulamento do condomínio: existe para ser citado em reuniões e ignorado no resto do tempo. Quem manda matar jornalistas, quem manda calar vozes incómodas, quem manipula tribunais, esses nunca verão o interior de uma cela do SIC. São os guardiões da ordem, os terroristas de fato e gravata que mantêm a “paz social” com repressão e propaganda.

O espetáculo é perfeito: de um lado, o SIC ergue a bandeira da lei para mostrar serviço; do outro, a elite política ergue a bandeira da impunidade para mostrar poder. E no meio? O povo. Esse mesmo povo que não tem pão, não tem salário, não tem transporte digno, mas tem sempre a polícia no encalço.

É irónico e trágico: em Angola, os que protestam contra a fome são acusados de terrorismo, e os que provocam fome são condecorados com medalhas de mérito.

Talvez devêssemos inverter os papéis. Colocar os corruptos na Cadeia de Viana, e os taxistas no Palácio Presidencial. Talvez assim houvesse menos terrorismo nos transportes e mais sentido nos discursos.

Mas claro, isso seria subversivo. E subversão, como nos ensina o SIC, é crime.

OBRIGADO!

Mas antes peço a todos escutar este “niño” que também me fez chorar!

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