ONGS PEDEM CANCELAMENTO DO JOGO ANGOLA-ARGENTINA, POR SER EVENTO DE PROPAGANDA POLÍTICA

Organizações Não Governamentais (ONGs) de defesa dos direitos humanos pediram, esta terça-feira, 19, à Argentina que cancelasse o jogo amigável com Angola, por se tratar de um evento de propaganda política, previsto para Novembro deste ano, em Luanda, no âmbito do 50.º aniversário da independência nacional.
A carta aberta, dirigida à Federação Argentina de Futebol, à sua seleção nacional e ao jogador Leonel Messi, é subscrita pela Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e São Tomé), Pro Bono Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e Friends of Angola (FoA).
Para estas organizações, o amigável com a Argentina não representa uma comemoração inclusiva para o povo angolano. Pelo contrário, converte-se num instrumento de propaganda política, usado para encobrir violações e desviar a atenção da grave crise social, considerando que “investir milhões de dólares num evento desportivo, enquanto milhares passam fome, hospitais colapsam e a repressão se intensifica, não é uma prioridade legítima — é um insulto à dignidade humana”.
Num apelo directo ao astro argentino Messi, à Associação de Futebol Argentino e jogadores da seleção argentina, as organizações disseram que o cancelamento seria “um acto corajoso, ético e profundamente humanitário — uma mensagem clara ao mundo de que a justiça, a dignidade e a igualdade valem mais do que qualquer espetáculo desportivo financiado com o sofrimento de um povo”.
As quatro organizações angolanas ressaltam que o apelo não se opõe ao desporto nem aos laços de amizade entre povos, mas significa um grito de consciência diante da dolorosa realidade vivida por milhões de angolanos — uma realidade que contrasta de forma chocante com a ostentação e os gastos milionários envolvidos na organização deste evento.
Os subscritores do documento citam o relatório SOFI 2025 – O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo. Neste, indica-se que mais de 27 milhões de angolanos (cerca de 71,4% da população) não tiveram acesso a uma dieta saudável em 2024 e que a subnutrição afecta 22,5% da população, aproximadamente 8,3 milhões de pessoas.
Por isso ressaltam que, “enquanto recursos públicos são canalizados para eventos desportivos de grande porte, milhares de crianças e adultos enfrentam fome crónica, anemia severa e insegurança alimentar generalizada”.
Segundo estas organizações, “a grave crise social ocorre num ambiente político marcado pela repressão sistemática contra cidadãos que expressam pensamento crítico”.
Descrevem igualmente que, apesar de o país possuir uma enorme quantidade de riquezas naturais — petróleo, minerais, biodiversidade, recursos hídricos e mais de 11 milhões de hectares de terras aráveis — a esmagadora maioria da população vive em extrema pobreza.
Os subscritores recordaram que o país viveu três dias de protestos, entre 28 e 30 de Julho deste ano, período em que, segundo a Polícia Nacional, foram registados “pelo menos 30 mortos, mais de 277 feridos e cerca de 1.515 detenções”.
“Esse cenário inclui: prisões arbitrárias de jornalistas, ativistas e manifestantes pacíficos; uso excessivo da força policial, com relatos de execuções sumárias e criminalização da liberdade de expressão e da mobilização cívica, sobretudo entre os jovens”, refere-se no documento.
“Tais abusos são amplamente documentados por organizações como Human Rights Watch, Amnistia International e relatores especiais das Nações Unidas”, acrescentam, sublinhando que este cenário revela “um Estado que silencia vozes dissidentes em vez de ouvi-las — uma lógica de controlo político, não de compromisso com a justiça e a dignidade”.