O MEU PATRÃO É O POVO – KAMALATA NUMA

A infância de João Manuel Gonçalves Lourenço deve ter sido profundamente marcada por privações — disso não temos dúvidas. No entanto, mais relevante do que o lugar onde se deu essa infância ou os detalhes dela, é o impacto do produto dessa formação pessoal na vida dos angolanos de hoje.
Durante uma visita ao Kazombo, João Lourenço, actual Presidente da República, declarou que “o meu patrão é o povo”. A frase, dita num país onde a distância entre o discurso oficial e a realidade é gritante, soa no mínimo bizarra — senão cínica. Porque o que o povo quer, aquilo de que verdadeiramente precisa, está a anos-luz do que João Lourenço faz, decide ou permite, enquanto exerce o poder de Estado.
Se João Lourenço diz que seu patrão é o povo, convém lembrar-lhe quais são as exigências desse patrão. O povo angolano quer o que está plasmado na Constituição da República de Angola:
* Uma República soberana e democrática,
* Um Estado de Direito,
* A soberania popular como fonte do poder político,
* Direitos, liberdades e garantias fundamentais respeitados,
* Separação efectiva dos poderes: legislativo, executivo e judicial,
Uma organização económica, financeira e fiscal que garanta a dignidade do cidadão, valorize o trabalho e promova justiça social.
O povo quer administração pública eficaz, próxima dos cidadãos, descentralizada e desburocratizada. Quer autarquias locais com poder real. Quer segurança pública despartidarizada, Forças Armadas e Polícia Nacional comprometidas com a República — não com partidos. O povo não quer uma Bandeira Nacional confundida com a do MPLA, nem um Hino Nacional herdado de um partido único.
O povo está farto da corrupção institucionalizada e dos ajustes simplificados que alimentam clientelismos e enriquecimentos ilícitos. Está cansado do teatro da governação, da opacidade dos negócios públicos, da elite arrogante e surda. O povo quer ser tratado como soberano — e não como súbdito domesticado.
Então, se é verdade que o povo é seu patrão, pergunta-se:
O que anda a fazer o empregado João Lourenço?
Tem-se limitado à trungunguice política e administrativa — isto é, ao exercício de um poder que finge fazer, que simula reformas, que se esconde atrás de decretos e promessas. Um poder que exibe, condecora, reprime e desvia, mas que não serve.
Por isso a crítica da Tchizé dos Santos, ao afirmar que “em Angola os generais não existem”, não deve ser lida ou ouvida apenas como provocação. Ela revela um mal-estar real: os generais estão ausentes da defesa da Nação enquanto valor superior. Estão ausentes do compromisso com a República, com a soberania do povo e com a ética de Estado. Muitos tornaram-se gestores de negócios privados com farda institucional. Outros são apenas silêncios cúmplices.
E como bem sintetizou outra cidadã, cuja criatividade (nos 200 Kwanzas) merece ser citada na íntegra — mas que aqui preferimos resgatar em espírito —, os 50 anos de independência de Angola não libertaram o povo, apenas condecoraram os seus opressores.
Condecoraram-se sucessos falsos, economias manipuladas, victórias que são derrotas disfarçadas.
Condecoraram-se os que empobreceram o povo, enquanto se calaram os que resistem.
Condecoraram-se, com pompa e orgulho, os artífices da Galanga — estrategas da morte da reconciliação nacional e da democracia. As condecorações, milimetricamente atribuídas pelo Centurião Romano, premiaram verdugos que, ontem e hoje, pisoteiam os pilares do Estado de Direito. São os mesmos que, travestidos de “governadorzinhos”, concentram cidadãos (do Município do Londuimbale) empobrecidos para, em actos simbólicos e reais, apedrejarem a Constituição da República de Angola em plena Galanga. Os mesmos que, em outras funções, como executores do terrorismo de Estado, foram responsáveis pela morte do Deputado Mussokola. Mas uma coisa é certa: Deus está a ver tudo.
Finalmente, o patrão continua à espera que surja novo e melhor “empregado” que sirva com verdade, justiça e dignidade o povo de Angola.
Obrigado!