A CONSTITUIÇÃO COMO REFÉM: O PERIGO DA OPOSIÇÃO DECORATIVA

“Nem todos são iguais”
Texto inspirado num raciocínio de Graça Campos, publicado na sua página de Facebook, com base numa intervenção do Presidente João Lourenço em entrevista à TPA.
TPA Senhor Presidente, a oposição…
Presidente João Lourenço “Sim, só um minuto! Respondi apenas parte da sua pergunta. (Continuando) …Criar um quadro de diálogo permanente. Em democracia, os partidos políticos, em princípio, devem ser tratados por igual. A UNITA surge como a líder da Oposição, mas o Parlamento angolano tem vários outros partidos que têm ali assento e que devem ser igualmente bem tratados.
Nós estamos abertos a dialogar com todos eles e não apenas com um dos partidos políticos da Oposição. Essa abertura tem que ser abrangente a todos e não criar uma espécie de diálogo a dois. Diálogo a dois não é bom para a democracia, na medida em que, na nossa democracia, no nosso Parlamento, nós temos vários partidos. Há o partido no poder e há um conjunto de outros partidos que, igualmente, contribuem para o enriquecimento da nossa democracia.”
As declarações acima do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço podem parecer, à primeira vista, um apelo saudável ao pluralismo democrático. Mas, vistas com mais atenção, revelam uma estratégia mais ampla: tentar diluir a centralidade da UNITA enquanto força de oposição autêntica, reduzindo-a a “apenas mais um” entre vários partidos minoritários, cuja presença no Parlamento é quase decorativa. É essa a inquietação que motivou a reflexão do jornalista Graça Campos e que agora exige ser aprofundada.
Dizer que todos os partidos devem ser tratados de forma igual em democracia é uma verdade jurídica, mas, neste contexto, revela-se uma grande distorção política. Estar junto não significa estar misturados, como se diz na gíria. A UNITA não pode, sob nenhum ponto de vista sério, ser colocada no mesmo plano que formações como o PHA, PRS ou FNLA partidos que, embora tenham representação parlamentar, não possuem nem a mesma base eleitoral, nem a mesma força política, nem a mesma consistência programática.
Colocar no mesmo espaço os chamados “partidecos” formações sem lastro eleitoral significativo, sem atuação parlamentar relevante e sem identidade ideológica clara ao lado da UNITA, é negar a história, é distorcer a realidade e é insultar o esforço coletivo de milhões de cidadãos que, desde 1992 até hoje, vêem na UNITA a única alternativa viável e coerente ao poder estabelecido.
É também uma tentativa clara de denegrir a imagem da UNITA e do seu presidente, Adalberto Costa Júnior, por meio da retórica de “pluralismo nivelador”: torná-los apenas “mais um” no meio de uma massa de siglas, reduzindo o seu peso político e sua legitimidade junto da opinião pública. Este tipo de discurso serve, acima de tudo, para preparar terreno para mudanças de fundo como uma eventual revisão constitucional que permita ao Presidente João Lourenço estender-se no poder para além dos dois mandatos.
Se partidos como o PHA, PRS e FNLA tivessem o peso da UNITA, mas com a mesma postura subserviente que têm demonstrado, o Parlamento seria um órgão meramente decorativo, incapaz de servir de contrapeso ao Executivo. A Constituição da República teria provavelmente já sido modificada, e o país estaria a caminhar, sorrateiramente, para um modelo autoritário, sustentado por uma oposição artificial, fraca e domesticada.
A Assembleia Nacional, sob maioria absoluta do MPLA, tem poder suficiente para mudar as regras do jogo mas o que tem faltado é justamente a legitimidade política para fazê-lo sem provocar tempestades sociais e institucionais. É aqui que entra a UNITA, não como um “partido qualquer”, mas como uma força de equilíbrio do sistema. Enquanto existirem partidos com coragem de dizer “não”, o autoritarismo não terá passagem livre.
E, neste quadro, perguntar o que os outros partidos que se dizem de oposição andam a fazer para engrandecer a nossa frágil democracia é mais do que legítimo: é urgente. Porque estar na oposição não é só ter um estatuto; é assumir responsabilidades, defender princípios, fiscalizar, propor, resistir. E nisso, “nem todos são iguais”.
Num país com instituições frágeis, onde o controlo do Estado se concentra cada vez mais numa só figura e num só partido, não basta dizer que a lei é igual para todos. É preciso observar o que cada um faz com essa igualdade formal. E quando a igualdade é usada como escudo para esconder desigualdades profundas de papel e relevância política, estamos perante uma manipulação do discurso democrático para fins de perpetuação do poder.
Se a UNITA fosse substituída por partidos como o PHA, o PRS ou a FNLA, a Assembleia Nacional já teria, com toda a probabilidade, ratificado sem grandes obstáculos uma revisão constitucional que abrisse caminho para um terceiro mandato presidencial. E essa é a verdadeira ameaça: não apenas a ambição do poder, mas a ausência de vozes suficientemente fortes para lhe dizer “basta”.
– [x] Henda Ya Xiyetu
Criador de Opinião | Opinion Maker | Créateur d’Opinion
“As opiniões expressas são pessoais e visam provocar reflexão crítica e construtiva sobre temas que impactam nossa sociedade.”