SOBRE A PRESENÇA DO EXÉRCITO SUL-AFRICANO EM ANGOLA EM 1975: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS NARRATIVAS EM CONFRONTO – KAMALATA NUMA

Recentemente, o jurista Sérgio Raimundo veio a público desmentir as declarações do Mais Velho General Eugénio Manuvakola quanto à entrada do exército sul-africano em Angola, em 1975. Segundo o Mais Velho Manuvakola, as tropas sul-africanas teriam invadido o território nacional a pedido do MPLA Chipenda. O Dr. Sérgio Raimundo, porém, contrapôs essa versão, recorrendo à análise de factos empíricos e afastando-se da leitura geoestratégica do contexto da Guerra Fria.
De acordo com o Dr. Raimundo, a presença do exército sul-africano no sul de Angola encontrou na frente de combate as FALA (Forças Armadas de Libertação de Angola da UNITA). Essa coincidência operacional aponta, logicamente, para uma coordenação táctica ou, no mínimo, para um alinhamento de interesses militares entre as forças sul-africanas e a UNITA — e não com o MPLA-Chipenda, cujas forças eram residuais naquele momento. Contudo, essa última alegação é questionável, pois Chipenda detinha, à época, uma parcela significativa das tropas do EPLA (Exército Popular de Libertação de Angola do MPLA), oriundas da Frente Leste e de outras regiões.
Ainda assim, essa leitura não encontra respaldo numa análise geoestratégica mais ampla e contextualizada da época.
Com efeito, até 1975, no auge da Guerra Fria, o quadro de apoios externos aos movimentos de libertação angolanos era relativamente nítido: os Estados Unidos e outras potências ocidentais apoiavam a FNLA, enquanto o MPLA beneficiava do apoio da União Soviética e de Cuba. A UNITA, por sua vez, permanecia relativamente isolada no tabuleiro de alianças internacionais, sem um aliado explícito envolvido na disputa bipolar do conflito global.
Entretanto, no quadro da teoria do espaço vital, a África do Sul — articulada com interesses estratégicos do Ocidente — viu na ascensão do MPLA, apoiado por forças comunistas da URSS e de Cuba, uma ameaça directa à sua esfera de influência regional. Esta doutrina sustentava que nenhuma zona considerada geograficamente estratégica nunca poderia ser entregue ao controlo de potências ideologicamente adversas. Assim, tanto o Ocidente como a África do Sul agiram com o objectivo de conter o avanço comunista na África Austral, encontrando na UNITA — presente de forma activa e organizada na frente de combate — o único aliado credível naquele contexto. Como dita a velha máxima da realpolitik: “o inimigo do meu inimigo, nunca será meu inimigo.” Apesar de na Huila o exército sul-africano ter preso o Mais Velho Eugénio Manuvakola e em Benguela o MPLA Chipenda ter preso o Tenente Wiyo (das FALA, ), hoje General das FAA desmobilizado.
Contudo, essa intervenção foi breve e limitada, em grande parte devido à conjuntura internacional do momento. Os Estados Unidos atravessavam uma crise interna profunda, marcada pelo escándalo de Watergate e pela renúncia do Presidente Nixon, o que fragilizava qualquer compromisso mais robusto com o continente africano. Simultaneamente, Portugal vivia o processo revolucionário pós-25 de Abril, liderado pelo MFA (Movimento das Forças Armadas de Portugal), cuja orientação maioritária era de esquerda e fortemente influenciada pelo Partido Comunista Português. Esse alinhamento afectou directamente a posição do poder colonial em transição, favorecendo politicamente o MPLA e reduzindo o espaço de influência das forças contrárias, como a UNITA e a FNLA.
Diante desse cenário, a tese segundo a qual os sul-africanos invadiram Angola a pedido da UNITA, como sustentam versões opostas, não possui sustentação sólida do ponto de vista geoestratégico, geopolítico ou histórico.
Tal discurso, por mais reiterado que seja, não resiste a uma análise rigorosa dos factos nem à lógica das alianças internacionais que definiram os contornos da guerra de independência e os primeiros passos da guerra civil angolana. No mínimo uma aproximação à Daniel Chipenda já aliado da FNLA é o mais aceitável.
Mas, mesmo assim, é imperioso que a historiografia nacional e o debate político se libertem das versões monolíticas, avançando para estudos mais críticos, sustentados em evidência empírica, fundamentalmente assente em rigor analítico e contextualização histórica real.
Obrigado!
Luanda, 10 de Junho de 2025