O DESCAMINHO DAS CONTAS PÚBLICAS: O ETERNO FESTIM NA AGT

Angola tem quadros e técnicos competentes que procedem à fiscalização das actividades públicas de forma minuciosa e adequada. Essas competências vêm demonstradas nos vários relatórios provenientes do Tribunal de Contas a que temos tido acesso. O problema está na impunidade que, perante as irregularidades identificadas pelos técnicos, resulta da falta de actuação por parte do Executivo e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Tudo se sabe mas nada se passa. Realmente, a impunidade e a falta de responsabilização continuam a ser as características da gestão pública nos mandatos de João Lourenço.
Fazemos referência à gestão, entre 2020 e 2021, de Cláudio dos Santos (na foto) e Vieira Leiria, anterior e actual presidente do Conselho de Administração (PCA) da Administração Geral Tributária (AGT), respectivamente. Facilmente se vê o descaminho das contas públicas e a total falta de sentido de Estado na sua gestão, por um lado, e o trabalho metódico e detalhado que os órgãos de fiscalização do Estado fazem para descobrir essas trapalhadas contabilísticas, por outro lado. A questão é que, depois desse trabalho exaustivo, os poderes parecem ter medo de agir ou querer proteger os suspeitos, garantindo-lhes impunidade.
Os factos são como se segue.
No período que decorreu entre 2020 e 2021, a Conta de Reembolso do IVA da AGT teve vários montantes colocados como depósitos a prazo, que venceram uma quantia avultada de juros – em concreto, 25 mil milhões de kwanzas. A referida conta serve para o pagamento dos reembolsos dos contribuintes e para restituições às missões diplomáticas.
Do valor acima mencionado, 8,4 mil milhões de kwanzas foram transferidos para a Caixa de Previdência e Aposentação dos Trabalhadores Tributários (CPATT), uma entidade associativa privada, para realização de despesas. Aparentemente, as despesas foram realizadas de forma discricionária e com fundamentos generalistas.
Basta ver a Acta de 28 de Dezembro de 2020 da reunião do Conselho de Administração da AGT, presidido por Cláudio Paulino dos Santos e com a presença dos administradores José Vieira Nuno Leiria, Santos Mussamo e Hermenegildo Kosi, que a assinaram. Nessa reunião, discutiram-se questões ligadas a obras necessárias em infra-estruturas da AGT e da Polícia Fiscal Aduaneira (PFA), não discriminadas, bem como a aquisição de material informático, como computadores, impressoras e consumíveis. Por alguma razão, os concursos públicos realizados para concretizar essas obras e aquisição de material informático ficaram desertos, isto é, não apareceu nenhum concorrente. Por isso, os administradores da AGT decidiriam encarregar a CPATT de executar as obras e realizar as aquisições informáticas necessárias.
É evidente que este quadro é ilegal e suspeito.
Ilegal porque, desde logo, a lei não permite que nas contas de reembolso fiscal se proceda a depósitos a prazo para rentabilizar os depósitos dos contribuintes. Depois, a transferência dos juros para a CPATT não tem qualquer amparo legal. É simplesmente proibida. A CPATT é uma entidade privada, que não está sujeita às regras de execução do Orçamento Geral do Estado.
Obviamente, esta é uma forma de escapar ao controlo dos dinheiros públicos, criando-se uma espécie de “saco azul” para despesas não fiscalizadas.
Por isso, mesmo os quadros do Tribunal de Contas consideram que o PCA cessante Cláudio dos Santos deverá devolver o montante de 8,4 mil milhões de kwanzas ao Estado. Porquê? Transferiu recursos financeiros do Estado depositados na AGT para uma entidade privada, a CPATT, sem qualquer respaldo legal. Desse modo, desviou fundos públicos da sua finalidade legal, lesando o Estado e os contribuintes. Tendo em conta a acta mencionada, não é só Cláudio dos Santos que parece ser responsável por esses desvios, mas todos os integrantes do seu Conselho de Administração que autorizaram essas transferências ilegais, incluindo o actual PCA, Vieira Leiria.
Torna-se evidente que estaremos perante um chamado “saco azul”. Os “sacos azuis” são mecanismos financeiros paralelos utilizados por organismos estatais para gerir recursos fora dos canais oficiais de prestação de contas. Neste caso, a AGT através da CPATT. Estas estruturas informais podem ser criadas sob justificativas como a necessidade de flexibilidade na execução de determinados projectos ou a urgência em responder a necessidades políticas imediatas. É o que se alega nesta situação, alegando-se que este mecanismo foi usado devido à falta de respostas aos concursos públicos lançados. No entanto, a sua existência abre frequentemente espaço para práticas de corrupção, desvios de fundos e fragilidade na transparência fiscal, dificultando a rastreabilidade do uso dos recursos públicos. Como esses fundos não seguem os princípios da contabilização pública, os gestores podem alocar verbas sem a devida fiscalização, permitindo desvios para enriquecimento pessoal, pagamento de subornos ou financiamento de redes de influência. Além disso, a ausência de auditoria adequada nesses fundos favorece a criação de estruturas informais de poder dentro do próprio governo, tornando difícil identificar responsáveis pelos actos administrativos.
Do ponto de vista técnico, estes esquemas comprometem a eficiência do controlo orçamental e a credibilidade do Estado perante investidores e organismos internacionais. Quando somados a um ambiente institucional fragilizado, os “sacos azuis” podem perpetuar práticas de corrupção sistémica, gerando grande instabilidade económica e aumentando os riscos de crises financeiras. E este é o problema essencial. Em Angola, já se sabe o que se passa, há trabalho suficiente, análises bastantes, mesmo fiscalização adequada. Não há acção, nem reacção. Mantém-se a pilhagem.