ABAIXO DO SOLO, RIQUEZA E ACIMA DELE MISÉRIA

Angola é um país onde a natureza não foi tímida: petróleo, diamantes, ferro, ouro, cobre, mármore, gás e muito mais jazem debaixo da terra. No entanto, quanto mais se cava, menos dignidade se encontra na superfície. Essa é a tragédia silenciosa que acompanha a nossa história recente: um país potencialmente rico, mas socialmente empobrecido.
A isto, chamam os estudiosos de “maldição dos recursos naturais”. Mas para o povo, isso não é teoria: é a dor de ver escolas caindo aos pedaços nas regiões mais ricas em diamantes. É a fome nas províncias que alimentam o orçamento da Nação. É o desemprego nas zonas onde o solo escorre petróleo.
Durante décadas, vendemos a narrativa de que os recursos iam trazer desenvolvimento. Mas os recursos vieram-e o desenvolvimento ficou em promessas, em discursos, em conferências sem alma. Continuamos a ver elites a enriquecer, empresas estrangeiras a lucrar, e o povo… o povo a ser removido das suas terras, a respirar poeira das minas, a morrer em hospitais sem medicamentos.
As Lundas são exemplo vivo desse paradoxo: bilhões em diamantes extraídos, mas comunidades sem acesso a água potável. No Cuando e no Cubango, extraem ouro e madeira, mas as crianças andam dezenas de quilómetros a pé para estudar. Em Cabinda, onde jorra petróleo, falta luz, falta estrada, falta dignidade.
No Namibe e na Huíla, onde se explora intensamente as rochas ornamentais, a população continua a morrer de fome e a emigrar para a Namíbia, sobrevivendo à base de lixo nos contentores. Uma imagem triste para um país que se diz abençoado.
Não é o recurso que causa a maldição. É a ganância. É a má governação. É a ausência de justiça redistributiva. É o Estado que legisla para proteger contratos milionários e ignora as vozes das comunidades exploradas. É a elite que usa a riqueza do país como instrumento de perpetuação no poder e de exclusão social.
Chegou a hora de romper esse ciclo. Os recursos do país pertencem a todos os angolanos, e não a uma minoria instalada no conforto de Luanda ou nos gabinetes blindados. Precisamos de um novo pacto com a terra, onde cada riqueza extraída se converta em escola, hospital, estrada, saneamento, segurança alimentar e oportunidade de vida.
Não queremos caridade das empresas. Queremos justiça.
Não queremos promessas. Queremos políticas públicas sólidas — em detrimento da política de governo que hoje se observa.
Não queremos continuar enterrados na miséria, enquanto os cofres de poucos se enchem com o sangue do povo.
Abaixo do solo há riqueza, sim.
Mas é acima dele que deve haver vida.
𝑷𝒐𝒓 𝑾𝒂𝒚𝒏𝒅𝒐𝒎𝒃𝒊𝒅𝒂 𝑪𝒊𝒌𝒂𝒍𝒆, 31.05.2025