ÍNTEGRA DO DISCURSO DE JOÃO LOURENÇO, PRESIDENTE DE ANGOLA E EM EXERCÍCIO DA UNIÃO AFRICANA, POR OCASIÃO DA 62ª COMEMORAÇÃO DO DIA DE ÁFRICA

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Estimadas Irmãs e Irmãos de África,

Na minha qualidade de Presidente em Exercício da União Africana, é com muita honra que me dirijo às dignas filhas e filhos de África, neste dia simbólico de 25 de Maio, que assinala a celebração do Dia de África.

Muito mais do que um momento de comemoração, esta data é um apelo à memória e ao engajamento na concretização dos ideais que inspiraram figuras que construíram os primeiros alicerces da nossa unidade continental, os quais, não podendo citar todos, gostaria de mencionar os nomes de Kwame Nkrumah, Haile Selassie, Julius Nyerere, Gamal Abdel Nasser, Sekou Touré, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Njomo Kenyata, Robert Mugabe e outros, que construíram os pilares em que assenta a unidade africana, apelando à solidariedade, à emancipação e à cooperação entre os Estados africanos.

Nunca é demais recordar que o seu empenho levou à criação da Organização da Unidade Africana em 1963, precursora da União Africana, para reforçar os laços políticos e económicos entre as nações africanas.

A visão relativa à construção de uma África capaz de controlar o seu próprio destino esteve sempre presente no pensamento dessas figuras históricas, que nos deixaram o legado em que se inscrevem as questões fundamentais da integração regional, da resolução pacífica de conflitos e da defesa dos interesses africanos na arena internacional, princípios que continuam a nortear a nossa acção colectiva no concerto das nações.

Os esforços contínuos da União Africana para reforçar a governação democrática, promover o desenvolvimento económico sustentável e garantir a paz e a segurança em todo o continente, correspondem à materialização de ideais compartilhados por cada cidadão do nosso continente, o que nos obriga, a todos nós, principalmente os que temos a responsabilidade de conduzir os destinos de África, a empenharmo-nos a cada dia com todas nossas energias e o nosso saber, na edificação de uma África com valores, com realizações e conquistas, em que todos nos possamos rever.

Temos de acreditar e renovar a nossa fé num futuro africano assente na solidariedade, na paz e na cooperação entre os povos, mas também na construção de uma Organização continental com bases institucionais sólidas.

Irmãs e Irmãos africanos,

Enfrentamos todos os dias o desafio de construir e preservar uma África unida, forte e soberana, capaz de falar a uma só voz na cena internacional.

Nessa perspectiva, cabe-nos realçar o facto de que a luta pela emancipação política do nosso continente é uma bússola para as gerações actuais face aos desafios contemporâneos, tais como a fragmentação política, os conflitos internos e outros flagelos que, infelizmente, assolam o nosso continente.

É por isso que defendemos o respeito pelos princípios da solidariedade, da cooperação e do respeito mútuo, para que possamos continuar a construir uma África mais integrada, onde as fronteiras se tornem pontes e não barreiras. Reavivemos hoje e sempre o objectivo de todos os filhos de África, que tombaram na luta pela realização do sonho de um futuro em que cada país africano disponha dos meios necessários para satisfazer as necessidades dos seus cidadãos, recorrendo principalmente aos seus próprios recursos e talentos.

Honrar a visão destes heróis deve se traduzir no investimento na educação, na boa governação, no reforço da integração económica e no apoio às gerações mais jovens na sua aspiração a um futuro mais digno.

Para que este facto impulsione e dinamize a nossa acção comum, devemos ter sempre presente que África enfrenta uma série de desafios complexos que atrasam a sua plena renascença, não obstante o seu imenso potencial.

Realçamos, de entre estes, a questão da paz e da segurança, pois registamos com preocupação que muitas regiões do continente continuam a viver situações de instabilidade devido ao terrorismo transnacional e ao extremismo violento, aos conflitos armados e às tensões intercomunitárias, entre outros fenómenos nefastos.

Estamos particularmente preocupados com as pessoas que vivem em zonas de conflito, frequentemente forçadas a fugir das suas casas, tornando-se em deslocados internos ou refugiados em países vizinhos e a quem é negada a vida com um futuro seguro.

A isto juntam-se as crises políticas e institucionais, muitas vezes caracterizadas por mudanças inconstitucionais de governo e transições contestadas, um enfraquecimento do Estado de direito e uma governação frágil.

Reconhecemos que no plano socioeconómico, África está a fazer tudo o que está ao seu alcance para enfrentar o desafio do desenvolvimento inclusivo num contexto mundial incerto.

Apesar disso, sobressaem ainda vários desafios, de que realço o desemprego dos jovens, o acesso limitado à educação, à saúde e à habitação, a insuficiência de infraestruturas essenciais ao desenvolvimento, como estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, fontes de produção e transportação de energia e, consequentemente, uma muito baixa taxa de industrialização dos países, a dependência de economias pouco diversificadas e os efeitos das mudanças climáticas, como obstáculos à consecução de uma prosperidade sustentável no continente.

Acresce aos factos que referi a dívida crescente de certos países e a sua vulnerabilidade aos choques externos, as crises sanitárias ou as perturbações económicas mundiais, que no seu conjunto acentuam as desigualdades e a fragilidade social.

Temos hoje a noção clara de que estes desafios exigem respostas concertadas, instituições fortes e uma vontade política renovada, em consonância com as aspirações dos povos do nosso continente.

Irmãs e Irmãos,

Não obstante os desafios que temos pela frente, mantemos uma fé inabalável no futuro de África, que hoje mais do que nunca encarna um continente de esperança e optimismo, impulsionado por uma juventude dinâmica, por recursos naturais abundantes e por uma criatividade constantemente renovada.

Todas as nossas esperanças numa África cada vez mais capaz de responder às necessidades dos seus povos, de resolver os problemas essenciais e criar condições de vida prósperas, provêm do facto de possuirmos uma imensa população jovem, que compõe um capital humano único, capaz de inovar, de transformar as economias locais e ajudar o nosso continente e a humanidade a enfrentar os grandes desafios do século XXI.

Diariamente, sectores como as tecnologias digitais, as energias renováveis, a agricultura sustentável e a indústria cultural revelam o potencial de África para se reinventar, criar valor e contribuir activamente para a economia mundial.

Este olhar sobre um futuro próspero assenta também numa crescente consciência colectiva da necessidade de integração, de governação responsável e de desenvolvimento endógeno.

É por isso que, no presente ano, optámos por pôr em marcha iniciativas no âmbito da Zona de Comércio Livre Continental Africana ZCLCA, a realização de uma grande conferência sobre infra-estruturas como factor de desenvolvimento em África e outras que contribuam para a dinamização de políticas de desenvolvimento do nosso continente.

África não quer continuar a ser apenas um continente à espera de apoio, mas sim um actor estratégico em construção, que oferece soluções para si próprio e para o mundo.

Irmãs e Irmãos africanos,

Ao olharmos para o futuro nesta data que hoje celebramos, tenhamos presente o compromisso de servir o desígnio de um continente livre, próspero e unido.

Celebrar África significa renovar a nossa fé no seu potencial e capacidade de superar as adversidades, de afirmar a nossa responsabilidade colectiva e reforçar o nosso empenho numa cooperação sincera, respeitosa e ambiciosa.

Que este dia seja mais do que uma comemoração, que constitua uma âncora para uma nova era de esperança e de construção comum, lembrando sempre o lema do ano da União Africana: “Justiça para os Africanos e Afrodescendentes, através de Reparações”.

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