ÍNTEGRA DA INTERVENÇÃO DA PAN CAROLINA CERQUEIRA NO LANÇAMENTO DA CAMPANHA DE ERRADICAÇÃO DO CASAMENTO INFANTIL E DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

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UMA QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,

Distintos Convidados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores.

É sempre com muita satisfação e interesse particular que aceito os convites para fazer a abertura de conferências, simpósios, e outras iniciativas das Deputadas e dos Deputados sobre temas relacionados com a protecção das crianças e populações vulneráveis, perante as constantes práticas que violam os seus direitos fundamentais e que não devem ter lugar em sociedades plurais em construção democrática como a nossa.

Esta iniciativa enquadra-se no Acordo de Implementação do Projecto de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos, HIV/SIDA e Governação do Fórum Parlamentar da SADC.

O escopo deste encontro, é o lançamento da Campanha de Erradicação do Casamento Infantil e da Gravidez na Adolescência – Uma Questão de Direitos Humanos e Desenvolvimento da Criança, e o desenvolvimento sustentado que está na pauta das acções prioritárias do Fórum Parlamentar da SADC de que o nosso

Parlamento é membro e tem vindo a desempenhar um papel preponderante que lhe valeu na última reunião realizada em Livingston em Novembro do ano passado a menção honrosa pelo mérito de um Parlamento que se destaca nas acções a favor do desenvolvimento, da igualdade e da paz, na pessoa do Coordenador do Grupo Nacional, o Deputado Pedro Sebastião, em nome de todos os Deputados desta Magna Casa.

Saúdo assim esta louvável iniciativa em agendar este encontro numa altura em que a sociedade em geral está preocupada com o aumento assustador nas nossas comunidades, desde as zonais rurais aos centros híper urbanos, dos fenómenos negativos e repugnantes da violação de menores, que provocam a maior parte gravidez precoce e grandes malefícios causados pelos casamentos forçados na adolescência, que prejudicam a saúde física e mental das meninas, deixando ressentimento e transtornos morais, psíquicos e sociais, difíceis de superar ao longo das suas vidas, desprovidas que ficam se não tiverem o acompanhamento devido de sublimação da vontade, distorção dos valores e princípios e da dignidade da vida em sociedade.

Os média, no dia a dia, confrontam-nos com notícias de violações de crianças e adolescentes, desrespeito aos direitos fundamentais de seres muitas vezes vulneráveis e indefesos.

Essas práticas negativas aumentam assustadoramente a nível nacional, como confirmam as páginas do Jornal de Angola e na maior parte das vezes são práticas reiteradas no seio familiar, nos locais de proximidade, na via pública, nas escolas e locais de culto, contrariando os valores da ética, protecção familiar e as boas práticas que desafiam as leis vigentes, a moral pública e os bons costumes.

A Convenção de eliminação de todas as formas de descriminação contra as mulheres, refere no artigo 18 que o casamento forçado pode apresentar várias formas incluindo o casamento das crianças entre si, com mais velhos, negócios ou comércio em que a menina é vendida por determinado preço, ou outras vantagens de vária espécie, práticas levianas que levam muitas vezes as adolescentes a casarem com um parente ou pessoa próxima da família aplicando costumes retrógrados que algumas famílias ainda permitem, fazendo das meninas como instrumento de troca de valores pecuniários ou outros bens.

O casamento de menores é considerado uma forma de casamento forçado e alguns países definem em lei a idade para o casamento para os homens e para as mulheres.

O casamento prematuro continua a ser um problema na África Austral devido à factores endógenos entre os quais a pobreza, a falta de equidade de género, a tradição, a insegurança, sobretudo em tempo de conflito armado e os níveis de ensino limitados e ultimamente a falta de quadros jurídicos especializados nestas matérias.

Em pelo menos 5 países da comunidade da África Austral, SADC, quase 40% das mulheres são casadas antes dos 18 anos de idade, sendo o Malawi e Moçambique com as taxas mais elevadas.

Nesses Países, mais de 5% de menores são casadas antes dos 18 anos de idade e na Zâmbia e Madagáscar a prevalência dos casamentos prematuros, está acima dos 40%.

Em Angola, de acordo com o Código da Família a idade núbil é de 18 anos para homens e mulheres e excepcionalmente de 16 anos para homens e 15 anos para mulheres, quando autorizados pelos pais.

A maioria, dos casamentos com menores envolve principalmente as meninas, e apesar de ser estabelecida legalmente aos 18 anos tanto para o rapaz como para a rapariga. Notamos na prática no casamento com adolescentes que as meninas têm menos idade porque são obrigadas a casar pelos seus pais ou tutores devido a uma gravidez inesperada ou um parto que na maior parte das vezes provoca a mortalidade e imobilidade materna.

Por outro lado, os casamentos com as adolescentes contribuem para altos níveis de abandono da escola pelas raparigas, que muitas vezes são expulsas e tornam-se vítimas de violência doméstica, abuso sexual ou dedicam-se à prostituição e não raras vezes infelizmente submetem-se à tratamentos tradicionais que muitas vezes lhes leva a morte.

Essas práticas negam a dignidade e integridade individuais das adolescentes e a violação dos direitos humanos segundo o Relatório da Lei Modelo sobre a Erradicação de Casamentos Prematuros e Protecção da Criança em Casamento, conforme a Lei Modelo do Fórum Parlamentar da SADC que se destina a reformular políticas e a elaboração ou a revisão de leis substanciais nos Estados Membros.

Este processo regional tem como objectivo requerer dos países membros melhores práticas, partilha de experiência, convergência de ideias, princípios e conceitos através de consenso, para que se transforme num instrumento útil para troca de ideias sobre políticas para auxiliar tomadas de decisões e garantir o cumprimento eficaz e dinâmicas dentro da harmonização regional benéfica para a erradicação do casamento prematuro.

Minhas senhoras e meus senhores!

Recordo que os Estados Membros devem servir-se desta lei modelo na elaboração das suas leis nacionais, uma vez que criam um quadro jurídico forte e uniforme para a proibição e prevenção do casamento prematuro e constitui a principal via para lidar com os direitos de saúde sexual e reprodutiva.

Por outro lado, a lei modelo serve de padrão de referência e instrumento de advocacia para que os legisladores da região da SADC possam facilmente adoptálas ou adaptá-las nas suas respectivas leis internas que tratam da erradicação de casamentos prematuros, sem usurpar a autoridade dos Parlamentos nacionais que devem determinar o âmbito, estrutura e formato do conteúdo das suas leis internas.

A maior parte dos Parlamentos do Estados Membros da SADC têm competência constitucional para através dos seus Deputados ou por iniciativa do Executivo iniciar legislação a ser aprovada pelo Parlamento na sequência de procedimentos estabelecidos em leis nacionais, estatutos ou regulamentos da Assembleia Nacional, e no caso de Angola essa iniciativa pode ser exercida por nós Deputados a luz do número 1 do artigo 167 da nossa Carta Magna.

Contudo, no âmbito das relações institucionais devemos, nos termos da lei modelo da SADC, reforçar as relações de trabalho com o Executivo numa dinâmica de interdependência a fim de agilizar a criação de leis que respondam estas preocupações.

Contudo há que ter em conta obstáculos para erradicação do casamento prematuro, nomeadamente:

Falta de sistemas de registo de nascimento eficazes o que torna difícil determinar a idade para efeitos de aplicação de uma lei sobre o casamento prematuro.

• Falta de educação junto das famílias e das comunidades visando a erradicação do casamento prematuro e a sua prevenção.

• Existência de algumas práticas culturais, religiosas e tradicionais que incentivam o casamento prematuro e constituem uma violação dos direitos da criança e criam relações de poder entre a mulher e o homem que favorecem estes nos domínios domésticos, comunitários e públicos, impedindo o avanço da mulher o que vai contra às obrigações do Estado ao abrigo dos instrumentos internacionais dos direitos humanos de que Angola é parte.

Falta de reconhecimento ou provisão adequada de serviços e direitos de saúde sexual e reprodutiva.

A Assembleia Nacional já aprovou leis que podem ter um impacto na prevenção e erradicação de casamentos prematuros como:

Leis sobre ofensas corporais;

Leis sobre ofensas sexuais; Leis contra a violência do género;

Leis contra o tráfico;

Leis da justiça da criança;

Leis sobre o casamento;

Leis sobre a adopção;

Leis de cidadania;

Leis sobre os refugiados;

Leis sobre filiação;

Leis sobre a educação;

Leis sobre a saúde;

Leis de empoderamento;

Leis do trabalho.

Todas estas leis nacionais estão incorporadas na Constituição da República de Angola, Código Penal, Lei Contra a Violência Doméstica e na Lei Geral do Trabalho

Distintas Deputadas e Deputados!

A recente criação da Academia Parlamentar deverá promover seminários, workshops, mesas redondas, inquéritos e relatórios para ajudar a contextualização das questões e preocupações ligadas à temáticas dos casamentos prematuros e a erradicação dos casamentos precoces, com base na legislação interna.

A Academia poderá igualmente fazer a previsão de recolha de dados sobre o número e a situação de menores em casamento, incluindo a educação da criança, o acesso à recursos, cuidados sanitários, ensino, informação e lazer, e a situação sócioeconómica da família, acesso a dados ligados à saúde e outras informações sobre a criança ao mesmo tempo que se protege dados pessoais de forma a garantir a privacidade das mesmas.

Consideramos também importante a provisão de apresentação de relatórios, monitorização e avaliação de execução da lei assim como programas de sensibilização sobre as consequências do casamento prematuro e a interditação do uso de linguagem imprópria e de estereótipos na reportagem e na publicidade de questões ligadas a criança.

É imperativo compreender que uma monitorização bem-sucedida através do trabalho valioso da Academia Parlamentar impactará os trabalhos dos Deputados neste domínio.

Para terminar gostaria de referir que o mais importante é desenvolver um amplo trabalho de educação e de comunicação em colaboração com as famílias, igrejas, associações, autoridades tradicionais, escolas, universidades, organizações sócioprofissionais e da sociedade civil para um amplo trabalho de prevenção e erradicação deste mal social que tem contribuído para a exclusão e subalternização das mulheres e reagir energicamente contra todas as formas de violência e eliminar os maus tratos no seio da sociedade para o benefício de todos, homens e mulheres indiscriminadamente.

Convido a todos presentes a irem visitar a exposição ao Quiosque Pedagógico de Sensibilização sobre os Malefícios do Casamento Infantil e Gravidez na Adolescência.

Muito obrigada pela vossa atenção.

Luanda, aos 6 de Fevereiro de 2025

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