QUATRO EM CADA SETE HOMENS ACIMA DOS 45 ANOS TÊM CANCRO DA PRÓSTATA

Em cada sete homens com mais de 45 anos de idade, quatro sofrem de cancro da próstata, revelou, ao Jornal de Angola, o médico Urologista Antonino Balaca.

O especialista, que também é o chefe dos Serviços de Urologia do Hospital Geral de Viana Bispo Emílio de Carvalho, explicou que, em média, dos 15 pacientes atendidos diariamente nas consultas de Urologia, um tem indício de cancro da próstata. 

A campanha massiva de rastreio do cancro da próstata, que decorreu em apenas quatro províncias, disse, veio mostrar que no país existem muitos casos da doença.  

“Se o Ministério da Saúde estender a actividade a nível de todo o país, veremos que o buraco é muito mais profundo do que se pensa. Os números que temos agora, são a ponta do iceberg. É necessário fazer-se um diagnóstico nacional”, apelou.

Questionado sobre o aumento do número de casos do cancro da próstata no país, Antonino Balaca disse tratar-se de um problema global. Em Angola, sublinhou, a mudança dos hábitos alimentares e estilos de vida está na base do surgimento da doença.

A título de exemplo, acrescentou, a incidência do cancro da próstata no Japão é muito reduzida, por conta dos seus hábitos alimentares e estilo de vida saudável.

“Mas, quando os japoneses migram para o Ocidente e começam a alimentar-se e a viverem como os ocidentais, a probabilidade de desenvolverem o cancro da próstata é sete vezes maior”, esclareceu.

Para o urologista, esta situação mostra que os hábitos alimentares estão na base do aumento, não só do cancro, como das várias outras doenças e, acrescentado a isso, os factores de risco como a idade (a partir dos 45 anos) e histórico de cancro na família.

 
Função da próstata

Antonino Balaca explicou que a próstata é uma glândula localizada abaixo da bexiga, que envolve a uretra, um canal que liga a bexiga ao orifício externo do pénis. Esta glândula tem como principal função a produção do líquido que compõe o esperma ou sêmen, responsável pela reprodução.

Segundo o médico urologista, a próstata pode ser acometida por várias doenças, como a prostatite aguda, hiperplasia benigna da próstata e a mais tímida de todas, o cancro da próstata.

 
Definição da doença

O cancro da próstata, explicou, é o tumor que pode ser maligno ou benigno, que afecta a próstata.  Este cancro é, actualmente, um dos tumores mais frequentes em homens, sendo considerado, também, como a segunda causa de morte oncológica mais comum no seio da população masculina.

O especialista afirmou que o cancro da próstata evolui de forma silenciosa. Daí que, na maior parte dos casos, os doentes não têm qualquer sintoma e, quando surgem as queixas, é sinal de que a doença já está em estado avançado.

Questionado sobre se a prática exagerada de sexo ou a falta dele tem alguma influência no surgimento do cancro da próstata, o urologista respondeu negativamente. “Uma coisa não está relacionada com a outra”, esclareceu. 

O médico explicou que, o cancro da próstata, surge quando as células da próstata sofrem alterações no seu genoma (ADN) porque, em regra, as células devem regenerar-se e, por vezes, quando assim acontece, produzem novas células de forma descontrolada e, muitas destas, são células cancerígenas.

 
Cancro maligno e benigno

Sobre a actuação do cancro maligno e benigno na próstata, o urologista explicou que o comportamento de um e outro é diferente. Os tumores benignos manifestam-se rapidamente e, em regra, afastam as estruturas, comprimindo as que tiverem próximo, sendo que as suas manifestações são mais rápidas.

“O órgão mais próximo da próstata é a uretra prostática, que passa mesmo no meio. Como consequências, o homem começa a ter dificuldades em urinar ou para ejacular, porque o tubo da ejaculação está praticamente fechado”, realçou.

Quando a pessoa tem dificuldades para urinar, prosseguiu o médico, sobrecarrega os rins, causando insuficiência renal. Se não for submetido, com urgência, ao processo de hemodiálise, disse, a pessoa acaba por morrer.

Em relação aos tumores malignos, o urologista esclareceu que estes são mais silenciosos e invadem as estruturas, atacando todas as células boas que encontrarem. Nesse processo de invasão, sublinhou, encontram órgãos vizinhos que são essenciais para a sobrevivência humana, causando muitas vezes a morte.

Para Antonino Balaca, uma das principais consequências do cancro da próstata é a prostatectomia, que é a retirada total da próstata, impedindo o homem de fazer filhos. Também pode causar impotência sexual, além das doenças do foro psicológico, que podem surgir por causa da situação.

 
Diagnóstico e tratamento

 Questionado sobre as formas de diagnóstico, o médico urologista explicou que é feito o toque rectal do paciente. Se for notado um volume aumentado da próstata, é realizado o exame de PSA total e, depois, faz-se uma biópsia para se saber a natureza do tumor. 

Quando o resultado da biópsia sair, realiza-se uma ecografia endo rectal, a ressonância magnética e o TAC para se determinar o tratamento mais adequado, dependendo do tipo de cancro, benigno ou maligno.

No caso do cancro maligno, realçou, pode ser tratado, por meio de cirurgia aberta ou robótica, se estiver apenas dentro da próstata. Depois disso, o homem vive bem por muito mais anos.

“Mas se o cancro já tiver invadido outras estruturas (metástase), fica muito mais complicado, optando-se por um tratamento paliativo com hormonoterapia, quimioterapia, radioterapia para se aumentar a esperança de vida do paciente, pelo menos dois ou três anos de vida”, acentuou.   

No que toca ao cancro benigno, disse, este tem tratamento. “Mas, atenção, ele também pode matar se fechar a uretra e não se proceder, de forma urgente, com o processo de hemodiálise”, alertou.

 
Tipos de cancro e factores de risco

Antonino Balaca disse que os cancros da próstata não são os mesmos. Existem os adenocarcinomas, que constituem 95 por cento dos casos. Estes, disse, começam a atacar as células glandulares a partir dos 40 anos de idade e são mais frequentes na raça negra.

“Depois, há os sarcomas, na ordem dos dois por cento e os hormonais, na ordem dos três por cento. Estes dois tipos de cancro acometem homens com menos idade, isso é, abaixo dos 40 anos”, sublinhou.

No caso do cancro hormonal, o urologista explicou que o homem tem um hormónio chamado testosterona, de dois tipos, a livre e a total. A testosterona total, disse, é que está nos órgãos sensíveis e não faz mal nenhum ao organismo.

“Mas, a testosterona livre que, como o nome diz, circula livremente, não tem mensageiro que a fixa e a transporta para um órgão onde deverá desempenhar a sua acção. Logo, se esta testosterona tiver níveis muitos altos, quando for captada pela próstata, vai causar o crescimento da próstata, originando células cancerígenas”, esclareceu.

Segundo Antonino Balaca, no caso em que o cancro da próstata é causado pelo aumento da testosterona, uma das formas de tratamento é retirar as gônadas (testículos) para deixar de produzir testosterona, visto que são responsáveis pela produção de 90 por cento deste hormónio.

Ao retirar as gônadas, explicou, o homem fica com o desejo sexual reduzido, sendo apenas sustentado pelos 10 por cento de testosterona produzidos pelas glândulas suprarrenais. “Por isso é que a mulher também tem testosterona, por conta destas mesmas glândulas”, notou.

 Além dos factores de risco já mencionados, o especialista indicou que existem outros factores como a genética (alguém na família que tenha tido a doença), estilo de vida não saudável, má alimentação, comida com muito sal, açúcar, gordura, álcool, bebidas gaseificadas, tabaco e drogas.

 
Sinais de alerta e prevenção

Antonino Balaca afirmou que, em regra, o cancro da próstata pode não apresentar sintomas e ser apenas detectado pelo toque retal e elevação das análises do PSA (antigénio prostático específico).

Quando a doença já está avançada, disse, apresenta alguns sinais como o jacto urinário cada vez mais fraco ou intermitente, dor ou ardência ao urinar, acordar várias vezes à noite com urgência de urinar, demora a iniciar a micção, depois de urinar sente que a bexiga ainda não está vazia e em alguns casos a urina sai com sangue.

Por o cancro da próstata ser uma doença tão comum quanto imprevisível, segundo o urologista, é importante que os homens se previnam mais, adoptando uma dieta rica em frutas e vegetais, evitar as gorduras saturadas, praticar exercícios físicos regulares e realizar periodicamente exames médicos de rastreio, principalmente a partir dos 40 anos de idade.


País conta apenas com 21 urologistas angolanos

Em Angola  existem três grandes centros de tratamento do cancro da próstata, nomeadamente, no Instituto Angolano de Controlo do Cancro (IACC), no Hospital Geral de Viana Bispo Emílio de Carvalho e na Clínica Sagrada Esperança. O Hospital Geral de Viana tem salas anexas de Urologia no Hospital Municipal do Zango, vulgo “casas amarelas”.

Apesar da campanha de rastreio do cancro da próstata ter terminado, as unidades onde decorreu continuam de portas abertas para realizar consultas de Urologia previamente marcadas.

Segundo Antonino Balaca, apesar de existirem unidades para o rastreio, é necessário que se aumente o número de médicos urologistas. Actualmente, disse, o país conta com apenas 21 especialistas angolanos, sendo que metade destes estão colocados na província de Luanda.

“Em Benguela, trabalham três urologistas, no Huambo, um, no Bengo, dois, e, na província do Cuanza-Norte, um. Algumas têm médicos estrangeiros e noutras não há nenhum especialista em Urologia”, explicou. Segundo o especialista, se for levado em conta a população que o país tem, o número de urologistas é insuficiente, porque, actualmente, o rácio é um médico para cada um milhão e meio de habitantes.  

                                                                                                                             
“Foi um grande choque para mim”

Recentemente, o Ministério da Saúde realizou uma campanha massiva de rastreio do cancro da próstata nas províncias de Luanda, Bengo, Cabinda e Huíla, com o objectivo de diagnosticar precocemente a doença e encaminhar os casos positivos para o tratamento adequado, a fim de se evitar mais mortes pela doença.

Durante os 10 dias em que decorreu a campanha, 8.773 homens acorreram aos hospitais onde se realizou o rastreio. Neste grupo, estiveram Vicente Domingos, de 60 anos, e António Mavinga, de 69 anos de idade.

Vicente Domingos, que não aceitou ser fotografado, foi atendido no segundo dia da campanha, no Hospital Geral de Viana Bispo Emílio de Carvalho. Até aquele dia, o reformado do Banco de Poupança e Crédito (BPC) sentia-se bem, dado que, sempre praticou actividades físicas regulares.

Ao ser chamado para realizar o toque retal, o médico especialista em Urologia deu conta que Vicente Domingos tinha o tamanho da próstata acima do normal a para sua idade, por isso, pediu um exame complementar de Antigénio Prostático Específico (PSA), que também deu positivo.

Mas, para se confirmar se era mesmo cancro da próstata ou outra patologia, Vicente foi submetido à biopsia, ecografia prostática e ressonância magnética, onde se confirmou a doença e sua real dimensão.

“Foi um grande choque para mim, porque na minha família nunca, antes, alguém teve cancro da próstata. Tenho amigos que já tiveram a doença, inclusive, dois morreram disso. Então, comecei a pensar em tudo, nos meus filhos…, e isso alterou a minha tensão”, contou visivelmente triste.

Vicente Domingos passou os dias inquietos, mas as coisas começaram a acalmar quando os resultados da ecografia prostática e da ressonância magnética saíram, indicando um tumor localizado, em fase inicial, estando assim na lista de espera para ser submetido a uma cirurgia robótica ainda este ano.

Já António Mavinga, de 65 anos, marceneiro de profissão, não teve a mesma sorte que o primeiro entrevistado. Ele fez o rastreio do cancro da próstata no Hospital Geral de Cacuaco Heróis do Kifangondo, no primeiro dia da campanha.

António Mavinga realizou o toque retal e, em função do resultado, também foi submetido ao exame complementar de Antigénio Prostático Específico (PSA), que, igualmente, deu positivo.

Mas, ao realizar a biópsia, a ecografia prostática e a ressonância magnética, o diagnóstico de António Mavinga indicou o cancro da próstata com metástase (ramificações).

“Nunca tive sintomas alguns de realce. Às vezes sentia umas dores no pénis e, algumas ocasiões, dificuldades para urinar, mas depois de alguns chás naturais que bebia tudo passava. Só não sabia que era por causa do cancro da próstata”, lamentou.

Como a doença já começou a ramificar-se, António Mavinga já está a ser submetido ao tratamento interno quimioterápico no Instituto Angolano de Controlo do Cancro (IACC) para, a posteriori, ser submetido a uma cirurgia aberta numa data a indicar pelo médico assistente.

Apesar  do aperto que sente no coração, António Mavinga está determinado a vencer o cancro da próstata, que já ceifou a vida de muitos homens ao redor do mundo.

Por isso, apelou aos outros homens a não esperarem pela campanha para realizarem o rastreio do cancro da próstata, devem fazê-lo pelo menos de dois em dois anos, para prevenir a patologia.

Tal como Vicente Domingos e António Mavinga estão muitos outros homens que, durante a campanha de rastreio, tiveram diagnóstico positivo do cancro da próstata, uns em fase inicial e outros já em estado avançado da doença.


Processamento dos exames continua

O processamento dos exames realizados na campanha de rastreio do cancro da próstata, realizado entre os dias 29 de Julho e 9 de Agosto, em três províncias, continua a ser feito até apuar-se o último resultado, para, no fim, tornar público o número exacto de casos positivos diagnosticados, informou o director nacional dos Hospitais, Benedito Quinta.

Ao apresentar o balanço preliminar da campanha, que decorreu nas províncias de Luanda, Bengo e Cabinda, o responsável indicou que participaram na campanha 8.773 homens. Até ao dia 14, já tinham sido processados 790 exames, o que resultou no diagnóstico final de 129 casos positivos da doença.

Segundo Benedito Quinta, as províncias do Huambo e da Huíla serão as próximas a realizar a campanha massiva de rastreio, a partir do mês de Setembro.

A campanha de rastreio do cancro da próstata teve como objectivo diagnosticar precocemente a doença e encaminhar os casos positivos para o tratamento adequado, a fim de se evitar mais mortes. As unidades de saúde escolhidas para rastrearem os pacientes foram os hospitais gerais de Cacuaco Heróis de Kifangondo e de Viana Bispo Emílio de Carvalho, ambos na província de Luanda, Reverendo Guilherme Pereira Inglês, no Bengo, Ervanário Luís Gomes Sambo, em Cabinda.

Durante os 10 dias em que decorreu a campanha, eram visíveis as enchentes nos referidos hospitais e a preocupação dos homens acima dos 45 anos para saberem em que estado de saúde se encontravam as suas próstatas.

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