AFINAL NÃO ERA UM MILAGRE, ERA UMA TRAGÉDIA
Depois de ter sido escolhido por José Eduardo dos Santos como o candidato do MPLA às eleições de 2017, João Lourenço entreteve-se por largos meses a passar a imagem de que percebia alguma coisa do que significava gerir país. Num certo dia, alguém lhe perguntou como gostaria de ser lembrado, após a sua passagem pela Presidência da República.
A sua resposta não poderia ter sido mais emblemática e visionária. Mais coisa, menos coisa, com o timbre de quem sabia do que falava, Lourenço afirmou que gostaria de ser lembrado como o “homem do milagre económico”.
Disse-o outras vezes de forma diferente. Em entrevista à espanhola EFE, aquando da sua passagem por Espanha, ainda na qualidade de candidato, trocou avisadamente Gorbachev por Xiaoping. Queria ser o homem que abriria a economia angolana ao mundo, como fez Xiaoping com a China, e não o sujeito que tentou reformas falhadas que acabaram por manter o Estado refém de uma poderosa oligarquia, como aconteceu com o russo Gorbachev.
Na altura, tudo levava a crer que João Lourenço tinha alguma noção do que proclamava até que o baralho de cartas começou a desmoronar-se. Não precisou de ficar sentado dois anos no Palácio para se perceber que afinal o Presidente tinha idealizado uma tragédia económica e confundiu-a de forma grosseira com um milagre económico.
Ainda que a comparação não seja de todo justa e completa, por razões contextuais e não só, no quesito económico, João Lourenço afinal sempre esteve mais próximo de Gorbachev do que de Xiaoping. Ao confundir o milagre com a tragédia económica, o sonho do Presidente arrastou os angolanos para níveis de indigência que, para muitos, não há registo no pós-guerra. Quer se fale no desemprego, quer se pense na nova vaga migratória para a Europa e para as Américas, quer se olhe para o desmantelamento da classe média, tudo se configura num pesadelo.
Angela Merkel, a célebre chanceler alemã, também não teria dúvidas em concluir que afinal o Presidente não sabia do que falava. Merkel é conhecida por defender com alguma intransigência que quem se candidata a um cargo público de alta responsabilidade não tem o direito de reclamar dos problemas, quando tem de os solucionar. Quem se candidata, dizia Merkel, é porque sabe dos problemas e tem uma ideia de como resolvê-los.
No caso de João Lourenço, tudo funciona ao contrário. Com quase sete anos no poder, Lourenço está a cumprir pratica- mente metade do tempo que José Eduardo dos Santos governou sem guerra, mas continua a questionar o miserável abastecimento de água em Luanda, como se não fosse seu problema. Continua a ser um problema que o outro deixou, que o outro não foi capaz de resolver.
A tragédia concebida pelo Presidente e vendida em formato de milagre não se ficou, entretanto, pela economia. O que se passa na política e na justiça não é menos chocante. Talvez até seja ainda mais grave. Ao contrário do aprofundamento do Estado de Direito, com o reforço da independência das instituições, João Lourenço transformou os tribunais superiores numa palhaçada que envergonha qualquer um com o mínimo de senso e dignidade.
A imagem que melhor expressa o perigo está na afirmação categórica do jurista e jornalista Teixeira Cândido. “Qualquer dia, ainda vemos juízes do Tribunal Constitucional na porrada com juízes do Tribunal Supremo.” Contas feitas, por sua conta e risco, pelo seu absoluto e redondo demérito, João Lourenço corre o risco de ser lembrado como o homem de todas as tragédias. Mais principalmente, como o homem da tragédia económica, da burrificação das instituições e da destruição total do Estado. Valor Económico