A SUPOSTA GESTÃO CRIMINOSA DO EX-MINISTRO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO VICTOR FERNANDES
A recente divulgação dos resultados do concurso público pelo Ministério da Indústria e Comércio (MINDCOM), referente à importação de arroz e fertilizantes, expôs uma série de questões que reflectem a gestão questionável do antigo ministro, Victor Francisco dos Santos Fernandes.
O contraste entre os preços actuais e os praticados durante a sua administração não só levanta suspeitas sobre a sua competência, mas também aponta para possíveis actos de corrupção e má administração. Talvez o ex-ministro tivesse um talento especial para transformar trigo em palha, só que no caso era arroz e dinheiro público.
Em Maio deste ano, o MINDCOM revelou que nove empresas foram seleccionadas para importar 270 mil toneladas de arroz, com preços significativamente mais baixos do que os praticados anteriormente. A proposta vencedora apresentou um preço de 420.000 kwanzas por tonelada, uma redução de quase 40% em comparação aos 700.000 kwanzas registados no Sistema Integrado do Comércio Externo (SICOEX) durante a gestão anterior.
Essa diferença de 280.000 kwanzas por tonelada representa uma economia substancial para o país, revelando que a administração anterior inflacionava impiedosamente os preços de importação de forma injustificada.
Só de pensar que, enquanto a população pagava mais caro pelo arroz, alguém estava engordando a conta bancária com esse “milagre” económico, deixa qualquer cidadão revoltado. Se isso não é transformar a fome em fartura, não sei o que é.
Além do arroz, a recente adjudicação para a importação de fertilizantes também expôs a disparidade de preços. O leilão realizado em Junho resultou numa queda expressiva no preço dos fertilizantes, passando de uma média de 932,97 dólares por tonelada em 2023 para apenas 305 dólares para o próximo ano agrícola. Essa redução de 67,3% economiza ao país 627,97 dólares por tonelada. Parece que os fertilizantes foram mágicos: fertilizaram a economia dos poucos privilegiados, enquanto o solo da corrupção continuava fértil. Quem diria que a honestidade teria um efeito tão fertilizante nas contas públicas?
O caso mais alarmante, entretanto, envolve a denúncia de um esquema de sobrefacturação no valor de mais de 9 milhões de euros para a aquisição de 200 meios de transporte para o Programa Integrado de Desenvolvimento do Comércio Rural (PIDCR).
As informações de que a empresa vencedora do suposto concurso público pertencia ao filho do general António dos Santos Neto “Patónio” não podem ser ignoradas. A não ser, é claro, que continuemos aceitar o nepotismo com normalidade na administração pública.
Essa revelação, confirmada, configura um claro caso de nepotismo e corrupção, onde o interesse público foi subjugado aos interesses pessoais e familiares. Parece que na administração anterior, “integrado” referia-se à integração de interesses familiares e “desenvolvimento” ao desenvolvimento das suas contas bancárias.
Esses dados não só evidenciam a incompetência e a possível má-fé do ex-ministro, como também servem de prova suficiente para que a Inspecção Geral da Administração do Estado e a Procuradoria Geral da República iniciem uma investigação aprofundada.
A má gestão de fundos públicos, a sobrefacturação e o favorecimento de empresas ligadas a figuras influentes – os chamados marimbondos – são actos que já não podem ser tolerados, pois minam a (pouca) confiança pública nas instituições e comprometem o desenvolvimento económico e social do país.
Victor Francisco dos Santos Fernandes deve ser responsabilizado por crimes de branqueamento de capitais, enriquecimento ilícito e gestão danosa. A sua administração prejudicou não apenas a economia, mas também a confiança do povo nas estruturas de governança.
A justiça deve ser implacável para garantir que os responsáveis sejam punidos e para restaurar a integridade do Ministério da Indústria e Comércio. Afinal, se não pudermos confiar nos guardiões do nosso comércio, talvez seja hora de confiar a administração pública aos vendedores do mercado informal e as zungueiras: pelo menos lá, os preços são negociados à vista de todos.
A nova administração (liderada por Rui Miguêns de Oliveira) demonstrou, através das recentes adjudicações, que é possível gerir os recursos públicos de forma mais eficiente e transparente. As poupanças geradas são prova disso.
O país, mais do que nunca, precisa de gestores comprometidos com a ética e a responsabilidade, que coloquem o interesse público acima de quaisquer outros interesses. Quem diria que, com um pouco de honestidade, poderíamos poupar tanto?
Ora, é essencial que os líderes políticos e administrativos sejam constantemente monitorizados e que as suas acções sejam, de facto, transparentes e alinhadas com o bem-estar da nação.
A gestão anterior falhou miseravelmente nesse quesito, demonstrando que a ausência de transparência e a impunidade são os maiores inimigos do progresso. Devemos insistir em reformas estruturais que garantam a prestação de contas e que fortaleçam os mecanismos de fiscalização e controlo.
Portanto, é imperativo que se faça justiça neste caso. A Procuradoria Geral da República tem agora a responsabilidade de conduzir uma investigação rigorosa e imparcial, assegurando que todos os culpados sejam levados à justiça.
Somente assim poderemos começar a reconstruir a confiança nas nossas instituições e garantir um futuro mais próspero e justo para todos os angolanos. E quem sabe, um dia, possamos olhar para trás e rir desse episódio como uma lição aprendida, e não como uma tragédia recorrente. Afinal, só mesmo com muito humor poderemos digerir tamanha desfaçatez.
*Jornalista, Jurista, Defensor dos Direitos do Consumidor e Activista dos Direitos Humanos