DISCURSO DA PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL CAROLINA CERQUEIRA NA ABERTURA DA 2ª CONFERÊNCIA SOBRE DIREITOS HUMANOS
Excelências Senhores Deputados da Assembleia Nacional
Digníssimos Membros do Corpo Diplomático Acreditado em Angola
Ilustres Convidados
TODOS OS SERES HUMANOS NASCEM LIVRES E IGUAIS EM DIGNIDADE E DIREITOS.
Esta icónica frase de abertura da Declaração Universal dos Direitos Humanos é tão importante hoje como o era quando foi adoptada há 75 anos.
Senhoras e Senhores,
É uma honra estar diante de vós a discursar nesse evento.
Desejo-vos boasvindas em nome da Assembleia Nacional, pela vossa presença nesta segunda Conferência sobre os Direitos Humanos e aproveito o ensejo, para expressar calorosas saudações neste acto que decorre sob o lema “Promoção da Educação Direitos Humanos para Bem Exercer e Cidadania”.
Este evento simbólico que hoje testemunhamos, interpela-nos a reflectir sobre o que fazemos ou podemos fazer, diariamente, para promover e proteger os direitos de todas as pessoas, sobretudo das mais vulneráveis.
E nesta interpelação, é importante ter sempre presente que os direitos humanos são uma construção e que devem-se fazer sentir, de forma prática e efectiva, no nosso dia-a-dia.
Senhoras e Senhores.
Quando, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, havia um propósito claro: assegurar que todos os seres humanos, em todos os lugares tivessem direitos básicos pelo simples facto de serem seres humanos.
Os 30 artigos deste documento histórico, que, quando fui estudante, nas aulas na Faculdade de Direito, chamava por DUD, têm norteado os Estados no sentido das prioridades e do caminho a seguir na adopção de políticas públicas que salvaguardem a igualdade de direitos e de oportunidades para todos.
De facto, é inegável o contributo da Declaração Universal dos Direitos Humanos na elaboração de vários tratados de direitos humanos e na legislação de vários países.
Não obstante, o mundo é palco todos os dias de cenários, que se configuram num verdadeiro retrocesso ao ideal comum a ser conquistado por todos os povos e todas as nações, explanado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
E eis que hoje, 75 anos depois, continuamos a pôr em causa os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade humana.
Continuamos a passar por um problema ético e bélico que põe em causa a universalidade dos direitos humanos. Vários cenários de dor e sofrimento humano fazem parte do nosso quotidiano: falta de ética nas relações profissionais, trabalho escravo, tráfico humano, tortura, violência sexual, violência baseada no género, crise dos refugiados, terrorismo, redes clandestinas que exploram imigrantes, casamento forçado e tantos outros… E hoje parecemos ter esquecido que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi elaborada por personalidades de diversas áreas jurídicas e culturais, na sequência da Segunda Guerra Mundial, no final do conflito armado mais sangrento da história da humanidade, que causou mais de 85 milhões de vítimas e que deixou marcas profundas, que ainda permanecem na memória de muitas pessoas.
Senhoras e Senhores
A Declaração Universal é um roteiro que ajuda a acabar com as guerras, sanar divisões e a promover vidas de paz e dignidade para todos. E nos tempos conturbados que hoje vivemos, de guerras de conquista, de novas disputas territoriais e políticas expansionistas, devemos exigir, mais do que nunca, que as regras do Direito Internacional Humanitário sejam respeitadas, através da protecção dos civis, das pessoas detidas, feridas e doentes e demais que não participam das hostilidades.
Infelizmente assistimos hoje em dia, impotentes, a dramática situação de milhões de pessoas que sofrem em conflitos armados em África, no médio oriente e na Europa; pessoas que não têm voz.
Há dias pús-me a pensar no legado que estamos a deixar da nossa época presente.
Milhões de pessoas alvejadas de forma deliberada e negligente?
Com casas, hospitais e escolas destruídos e cidades inteira, reduzidas a escombros?
Com milhões de homens, mulheres e crianças obrigados a se deslocarem?
Senhoras e Senhores
É esse o legado que pretendemos deixar?
Não temos oportunidade de fazer uma história diferente?
Os Estados devem exigir o respeito pelas normas, como primeiro passo para mudar essa situação.
Devemos exigir que se respeite a soberania, que não se violem as fronteiras e se respeite a palavra dada;
Devemos exigir que se pare de alvejar os civis;
Que se pare de estuprar, torturar ou executar sumariamente as pessoas;
Que se pare de bombardear ou atacar hospitais e escolas;
Que se pare de ameaçar, sequestrar ou matar aqueles que ajudam;
Que se pare de usar os civis como escudos humanos;
Que se pare de usar armas ilegais e não se usem armas ilegalmente;
E nós os dirigentes com responsabilidades políticas não devemos ser testemunhas silenciosas: devemos actuar contra isso, com toda a autoridade e poder que tivermos.
Não podemos tratar as vítmas civis dos conflitos como estatísticas ou como inevitáveis danos colaterais.
Devemos exigir o respeito pelo Direito Internacional Humanitário.
Senhoras e Senhores
Não basta saber elencar os direitos mínimos que devem ser assegurados a todos os seres humanos.
O mais importante é lutar para que a realização desses direitos seja uma realidade e que os princípios da igualdade e do respeito pela dignidade humana sejam interiorizados e praticados no nosso dia-a-dia.
Excelências
Em Angola, os Direitos Humanos são uma conquista nacional, após longos séculos de escravidão, de colonização e de negação dos mais elementares direitos dos angolanos.
A preservação desta conquista constitui, não apenas um dever de cidadania, como um direito que não pode ser negado a nenhum cidadão do nosso país.
Nesta data comemorativa devemos reconhecer que o nosso país regista avanços notórios em matéria de preservação dos direitos humanos, enquanto conquista dos angolanos, que se traduzem na promoção, defesa e fiscalização dos direitos humanos.
E isso é comprovado pela aprovação de políticas públicas, com destaque para a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos e a criação de um adequado quadro legal e institucional, tendentes a garantir a realização, de forma sistemática e consequente, da efectivação dos direitos fundamentais e da defesa da dignidade dos angolanos.
Não obstante esses esforços, a actual condição económica do país tem dificultado a materialização plena de alguns direitos fundamentais.
A nível dos direitos económicos, sociais e culturais, destacamos vários desafios, nomeadamente no que diz respeito ao acesso à saúde para todos, a uma habitação condigna, ao saneamento básico, a água de qualidade, ao trabalho e salário justo, direito a um nível de vida adequado… e tantos outros.
Devemos ter sempre presente que os direitos humanos são uma construção permanente, e é preciso frisar que assegurar a defesa, promoção e protecção dos direitos humanos não depende apenas do Estado: exige o envolvimento de instituições públicas e privadas, das organizações não-governamentais e, sobretudo, da sociedade.
Senhoras e Senhores,
Aproveito destacar o papel de dois importantes segmentos: a juventude e os membros das organizações da sociedade civil.
Nestes tempos tão conturbados ao nível mundial, em que se começam a pôr em causa conquistas que julgavamos serem perenes, ganha um destaque especial o papel fundamental da juventude na construção de uma Angola cada vez mais respeitadora dos direitos humanos.
Permitam-me mais uma vez, destacar aqui o importante papel que a força e a dinâmica da juventude pode desempenhar na construção de um país respeitador dos direitos humanos.
Quando vemos o espírito combativo dos líderes juvenis, quer seja ao nível dos conselhos nacional e provinciais da juventude, quer ao nível das organizações estudantis e plataformas da sociedade civil integradas por jovens, quer ao nível da expressão artística e do espetáculo…
Verificamos que a inovação, a dinâmica, a energia, a criatividade, a capacidade de sonhar, a inquietação, o espirito critico, inerentes à juventude, são características que podem contribuir para melhorar o nosso país, seja através de soluções inovadoras para os desafios actuais, seja através da adopção e desenvolvimento de acções que contribuam para a mudança de atitudes perante o ambiente, o clima e a forma como nos relacionamos com os outros seres humanos.
Por isso aos líderes juvenis deixo o meu apelo para o envolvimento e o engajamento da juventude, porque a forma como regem as suas vidas, como lidam uns com os outros, como praticam os princípios da igualdade e do respeito pela dignidade humana são um factor determinante para a sociedade que queremos.
Os jovens devem promover uma educação em direitos humanos, sendo solidários com os colegas, difundindo o respeito pelas minorias, protegendo os que mais precisam e respeitando a diversidade…
A educação desses princípios dos direitos humanos é um dever de todos nós, envolvendo e estimulando os jovens para a participação activa nos espaços de debate, sobre as questões de direitos humanos. Esse é o caminho. Não há outro.
Esse caminho representa o semear das sementes, que nos levará à colheita da transformação e do desenvolvimento da Angola que queremos para o futuro. É fazer com que a gramática dos Direitos Humanos seja uma constante na linguagem para a vida da juventude.
“E isso não vai estragar a chapa de ninguém!” Por outro lado, destaco alguns momentos para falar sobre a promoção do diálogo institucional e a colaboração entre as ONG e as instuições do Estado.
Essa cooperação deve constituir uma constante na sua interacção, uma vez que as organizações da sociedade civil são os olhos e os ouvidos do clamor da sociedade, que permitem ao Estado encontrar as soluções globais mais adequadas para os problemas locais por elas detectados, em materia de promoção dos direitos humanos.
Senhoras e Senhores
É necessário entendermos que homens e mulheres têm os mesmos direitos… É necessário entendermos que as pessoas com deficiência, os imigrantes que ao nosso país vieram em busca de melhores oportunidades, as pessoas LGBTI têm os mesmos direitos… É necessário entendermos que as crianças pobres ou em situação de abandono, bem como os nossos idosos, devem ser protegidos de todo o tipo de agressão ou violência…
É necessário entendermos que ninguém deve ser submetido a tortura ou maustratos, ainda que criminosos ou pessoas em conflito com a lei…
É necessário entendermos que as pessoas com doença mental merecem tratamento digno e a nossa compaixão…
É necessário entendermos que a nossa condição social ou económica não nos faz superior ou inferior a ninguém, porque ninguém é ser melhor que ninguém…
E que somos todos iguais perante a lei… Concluo, confiando que a utopia dos direitos humanos, o sonho dos direitos humanos, enquanto guia da actividade do Estado, mas, sobretudo, da nossa conduta no dia-a-dia, seja um objectivo de todos nós, enquanto dirigentes políticos, enquanto gestores públicos ou privados, enquanto membros da sociedade civil, alunos, enfim… enquanto seres humanos.
É essa na verdade, a essência dos direitos humanos. Como disse um dia a senhora Eleanor Roosevelt, ex primeira-dama dos Estados Unidos, que presidiu a Comissão que elaborou e aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e passo a citar: “os direitos humanos começam em pequenos lugares, perto de casa (…). Eles são o mundo do indivíduo: a vizinhança em que vive, a escola ou universidade que frequenta, a fábrica ou escritório em que trabalha…. E se esses direitos não tiverem significado aí, eles terão pouco significado em qualquer outro lugar”.
Senhoras e Senhores
É meu desejo que possamos, todos os dias, em todo o lugar, dar o nosso contributo para termos uma Angola cada vez melhor e cada vez mais promotora, respeitadora e defensora dos direitos humanos. … e que a força, a determinação e os sonhos dos nossos jovens sejam um motor desta aspiração! Exorto a todos que façam a vossa parte e defendam, sempre e sempre, os direitos humanos.
Obrigada pela vossa presença.
Carolina Cerqueira,
Presidente da Assembleia Nacional