DEMOCRACIA NÃO É SÓ ELEIÇÕES: MANUAL DO DEMOCRATA INSATISFEITO
A democracia não são só as eleições. O processo democrático não se esgota no dia em que depositamos o nosso voto. Se assim fosse, não teríamos uma democracia, mas uma ditadura electiva.
Na realidade, a democracia é um processo que dá expressão à vontade soberana do povo através de vários mecanismos, constituindo uma continuidade de participação e decisão, procurando alargar o espectro dos contributos dos cidadãos.
As manifestações ou a emissão de opiniões nas redes sociais, desde que dentro do contexto da ordem constitucional, são instrumentos de participação democrática. Mas existem muitos outros.
O que aqui se pretende abordar são as vias legais para o avanço da democracia.
A Constituição e a legislação angolanas contêm uma variedade assinalável de procedimentos legais de cariz democrático, cujo uso é tão ou mais importante do que a própria votação em dia de eleições, uma vez que a democracia depende, acima de tudo, da participação dos cidadãos na vida política, dentro das normas de Direito.
Através de vários procedimentos legais, é possível obrigar o poder político, mesmo se controlando o poder judicial, a inflectir decisões erradas, a respeitar direitos e liberdades fundamentais, e a aperfeiçoar a democracia.
O valor dos procedimentos legais, muitas vezes, não assenta na vitória em processos concretos (que pode não acontecer, se considerarmos que o poder político influencia o poder judicial), mas sim na vitória final, isto é, no trazer-se para a opinião pública a discussão dos temas difíceis ou esquecidos do país.
Refira-se ainda que o poder judicial angolano é de natureza “atómica”, sendo cada juiz independente e titular de um órgão de soberania. Porém, mesmo que muitos juízes sejam deferentes face ao poder político, há sempre a possibilidade de não o serem e de decidirem apenas de acordo com a Constituição e a Lei. Isso será uma vitória. Basta um.
Como referido, a lista de procedimentos legais ao dispor do cidadão para melhorar a democracia é variada. De seguida, apresentamos exemplos não exaustivos de métodos que a que os cidadãos podem e devem recorrer para reivindicar a acção do Estado, para exigir a protecção e garantia dos direitos fundamentais ou para invalidar actos ilegais.
DIREITO DE PETIÇÃO, DENÚNCIA, RECLAMAÇÃO E QUEIXA
Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, petições, denúncias, reclamações ou queixas, para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, bem como o direito a ser informados em prazo razoável sobre o resultado da respectiva apreciação. (art.º 73.º da Constituição angolana, CRA).
Quer isto dizer que qualquer pessoa, sozinha ou acompanhada, pode pedir ou queixar-se junto das autoridades públicas, tendo estas o dever de responder em tempo útil.
É neste sentido que o director do Maka Angola tem realizado inúmeras participações e queixas junto do procurador-geral da República. E nada o impede, nem a ele nem a qualquer outro cidadão, de as fazer igualmente junto do presidente da República. É um direito constitucional que assiste a todos os cidadãos.
DIREITO DE ACÇÃO POPULAR
Qualquer cidadão, individualmente ou através de associações de interesses específicos, tem direito à acção judicial, nos casos e termos estabelecidos por lei, que vise anular actos lesivos da saúde pública, do património público, histórico e cultural, do meio ambiente e da qualidade de vida, da defesa do consumidor, da legalidade dos actos da administração e demais interesses colectivos (art.º 74.º da CRA).
A acção popular é outro direito de cidadania democrática, que confere a qualquer cidadão a possibilidade de questionar judicialmente a validade de determinados actos. Este direito é regulamentado pela Lei n.º 11/22, de 3 de Maio.
ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
O Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelo seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros (art.º 75.º da CRA).
Aqui temos outro tipo de acção que qualquer cidadão que tenha visto os seus direitos fundamentais violados pode propor contra o Estado. Por exemplo, em casos de detenções ilegais ou uso excessivo da força por parte da Polícia Nacional, o cidadão pode processar o Estado para ser indemnizado.
PROVEDOR DE JUSTIÇA
O provedor de Justiça é uma entidade pública independente que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade da actividade da Administração Pública (art.º 212-A da CRA).
O recurso ao provedor de Justiça é também um recurso disponível para a defesa das liberdades, democracia e direitos fundamentais. A sua missão é defender as pessoas que vejam os seus direitos fundamentais violados ou se sintam prejudicadas por actos injustos ou ilegais da administração ou de outros poderes públicos. O provedor de Justiça tem como função receber queixas específicas, emanadas dos particulares, visando uma injustiça ou um acto de corrupção ou de má administração.
Eis portanto um conjunto de meios (entre outros existentes) que se encontram à disposição de qualquer cidadão e que podem e devem ser utilizados para melhorar a vida em Angola e desenvolver uma ampla democracia participada.