ADALBERTO DA COSTA JÚNIOR DISCURSA SOBRE GEOPOLÍTICA E SEGURANÇA NACIONAL

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O evento que hoje realizamos reveste-se de enorme importância, pois, esta conferência transcende o espaço partidário, devendo ser vista como um acto de carácter nacional e com virtudes para trazer luz sobre uma problemática que interessa ao Estado Angolano em geral e aos cidadãos Angolanos em particular.

A Conferência sobre Geopolítica e Segurança Nacional é uma iniciativa oportuna que oferecerá a quantos a acompanharem uma visão de Angola versus os seus desafios internos e externos, neste mundo global, competitivo, em que a tecnologia nos permite aceder e mesmo acompanhar qualquer fenómeno em qualquer arte do nosso planeta.

Está o nosso país, 48 anos depois da nossa independência, preparado, modernizado para competir neste mundo global? Estão os angolanos potenciados dos frutos da independência, decorridas quase 5 décadas, de disputas, conflitos, guerras e 21 anos de paz?

Estão as instituições do Estado angolano, maturadas, viradas para a defesa e a protecção do angolano e do Estado na sua dimensão plural, no sentido de garantir a harmonia necessário a uma sociedade virada para o desenvolvimento?

Geopolítica e segurança nacional, conceitos quando desenvolvidos permitem avalizar quanto o território, a sua localização geográfica, as suas riquezas e potencialidades, o seu governo e as instituições do Estado, tudo conjugado no sentido da defesa do cidadão, na protecção do cidadão e direccionadas a assegurar o interesse colectivo e o desenvolvimento harmonioso da sociedade. É esta a Angola que temos?

Angola tem registado um recuo no que diz respeito ao desenvolvimento e à segurança nacional, de modo que faz todo o sentido esta iniciativa do Governo Sombra em abrir uma arena onde se pode discutir e reflectir sobre diversos aspectos que nos inquietam em relação a esta matéria, porquanto, um tema tão rico e desafiador como é o da Geopolítica e a Segurança Nacional possui obviamente inúmeras pontas, todas elas susceptíveis de se repercutir sobre a vida do País.

Não estou aqui no papel de prelector, nem de moderador. Mas ao proceder à abertura desta conferência, diante de uma plêiade de especialistas, faço questão de colocar a minha foice nesta seara. E devo expressar aqui, com a maior convicção, que quanto a mim, esta conferência não deve ignorar um aspecto indissoluvelmente ligado à segurança nacional que é avaliação do estágio em que se encontra o Estado Democrático e de Direito em Angola.

Trinta e um anos depois da realização das eleições multipartidárias de Setembro de 1992, a Democracia em Angola continua tão frágil , e isto constitui um dos maiores perigos com que a sociedade e o Estado se confrontam no presente momento – um espectro capaz de pôr em causa a unidade e a subsistência dos Angolanos. Mas é no actual e corrente ciclo, mais do que em qualquer outra época, que se nota uma maior e clara degenerescência do sistema político nacional e, até, do regime, suas políticas e da nomenclatura que o sustenta.

Só um cego não vê que o Executivo do MPLA, deixou de cumprir com um dos pressupostos legais que consiste na responsabilidade constitucional de garantir e consolidar o Estado Democrático e de Direito em Angola.

Deliberadamente, ou apenas por inépcia, o edifício da democracia angolana está claramente em grave crise e ameaça poder ruir! A clássica separação entre os poderes – que constitui o pilar de qualquer democracia – está a estilhaçar-se cada vez mais. O exemplo mais evidente é a imoralidade que campeia hoje no sistema judicial, onde os Tribunais Superiores e os respectivos magistrados renderam-se ao regime de partido Estado e na sua maioria revelam-se marionetas do poder unipessoal do Presidente da República.

Onde um Juiz-presidente do Tribunal Supremo, permanece no cargo a despeito de sucessivos atropelos e ilegalidades que vem acumulando, perante uma sociedade que acompanha incrédula tamanho espectáculo.

Assistimos a um cenário em que o Presidente da República não respeita a Constituição. São inconstitucionalidades atrás de inconstitucionalidades, como se viu no recente dossier relativo à exoneração do Governador do Banco Nacional de Angola. A ordem expressa dada ao Juiz Conselheiro, Presidente do Tribunal de Contas, no acto do empossamento, inibindo-o de forma inequívoca de emitir vistos e pareceres prévios aos contratos sobre empreitadas públicas. Jamais visto!

É em função disso que vamos observando novas clientelas a surgirem e a constituírem oligopólios em substituição dos que existiam no regime do anterior. Enfim, com métodos e práticas mais sofisticadas dos quais se formam cartéis mafiosos em todos os sectores, sobretudo nas empreitadas e importações, onde os verdadeiros empresários estão a ser sufocados, pois os governantes e seus amigos tudo abocanham, a tudo se atiram e alienam tudo quanto constitui capital valorativo de interesse nacional é tomado ao debareto!
Os governantes mostram-nos uma postura de quem deixou cair o serviço e o conceito de servir, a todos e ao país. Nos mais distintos segmentos da sociedade impera a incerteza, o desânimo e o desencanto perante uma realidade dura e uma desgovernação que depaupera o país e a todos expõe. Daí as múltiplas manifestações que vão sendo desencadeadas por diversos sectores sócio profissionais, pelos jovens angolanos, reivindicando direitos e exprimindo anseios. Hoje muitos exprimem estarem fartos do sistema autocrático que cerceia as liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente previstas.

Mas a forma como as manifestações têm sido reprimidas corresponde a um comportamento típico de estados totalitários e securitários. Sempre com a argumentação descabida e insensata de que as manifestações visam, pura e simplesmente, o derrube das instituições, quando elas estão na realidade ancoradas a um direito constitucional, repetidamente desrespeitado. Como consequência, conflitos e tensões, absolutamente desnecessários.
Esta conferência deve também reflectir sobre estes temas, extraindo não apenas conclusões, mas também, ser capaz de avançar com propostas para que se ponha termo a este perigoso e caótico estado.

A segurança do Estado é com efeito um elemento primordial para a defesa e salvaguarda dos interesses estratégicos nacionais, tendo sempre, em última instância, a manutenção da inviolabilidade do território (controlando e mantendo estanques as suas fronteiras) e a garantia das aspirações materiais e espirituais do Povo Angolano. Sem tais premissas, o que resta é o caos institucional e a falta de convivência saudável entre os múltiplos grupos que compõem a tessitura étnica e cultural de Angola.

O nosso País ocupa uma posição privilegiada em termos geopolíticos e geoestratégicos. Por isso, não tenhamos ilusões, Angola suscita cobiças diversas no cenário internacional. De modo que não é avisado que a sua governação seja deixada aos caprichos e humores das nossas preferências e divergências político-partidárias. Precisamos de estabelecer e conceber uma mediana coerente com os interesses estratégicos suprapartidários em matéria de segurança nacional.

Há toda a necessidade de se recuperar o prestígio e o capital externos que têm sido malbaratados, através de um trabalho aturado e porfiado que deve começar a nível interno para redinamizar as nossas potencialidades em diversas áreas, repondo-se fundamentalmente o desenvolvimento que o País já teve nos sectores primários (agricultura e na indústria), para não depender exclusivamente do sector extractivo e de um mono-produto como é o petróleo.

Referimo-nos, assim, à segurança alimentar dos angolanos que actualmente atravessa sérias ameaças: desde logo, porque Angola foi colocada na situação constrangedora de ter de importar quase tudo o que consome, incluindo alimentos básicos, algo que um Governo atento e preocupado com o Povo poderia e deveria garantir.

Decorreram duas décadas desde que o País alcançou a paz, sendo assim incompreensível que se tenha delapidado, de forma irresponsável e em prejuízo das actuais e futuras gerações, os recursos financeiros que lhe teriam permitido retornar à condição de auto-suficiência alimentar. Não faz sentido que, com o grande e benfazejo potencial hídrico e agrário de que Angola dispõe, continuemos a importar alimentos que poderiam ser produzidos localmente. O que é feito do Planalto Central, que já foi o celeiro de Angola? Onde está o Grémio do Milho, que além de alimentar os angolanos também enriqueceu, honestamente, os empreendedores dessa área? As principais cidades de Angola foram erguidas com receitas das exportações de café, algodão e outros produtos do campo. Não foi preciso mexer nas jazidas de petróleo, como hoje se faz de maneira insensata, ao ponto de se estar a exaurir este importante recurso estratégico, sem garantir a segurança das gerações vindouras! Hoje usa-se o fundo soberano em programas partidários.

O Governo angolano deixou-se adormecer na ilusão de que exclusivamente com o petróleo se pode obter riqueza para construir tudo e, até, para criar uma classe empresarial nacional. A verdade é que o tempo passou e hoje temos uma Angola cuja economia padece da chamada “doença holandesa”. Ao invés de uma robusta classe de empresários nacionais, gerou-se uma casta minúscula de endinheirados que vivem no luxo e no fausto, sem que consigam criar empreendimentos para impulsionar a economia angolana e, consequentemente, proporcionar melhores condições de vida à generalidade dos seus compatriotas que vegetam na pobreza.

O regime levou a má governação – adensada por uma estrutura corrupta, venal e decrépita – ao extremo de obrigar agora o País a ter não só de vender os anéis, mas possivelmente, também, os dedos, se tão clamorosos erros de governança persistirem. O desastre está mais do que evidente na situação de insolvência (bancarrota) a que o MPLA conduziu e está a conduzir o país.

Infelizmente, atingimos os níveis de decadência e descalabro que se observam nos dias de hoje apenas por incúria governativa. Por falta de sabedoria na gestão da coisa pública. A mendicidade aumentou exponencialmente, atingindo comunidades e famílias inteiras em zonas onde não se imaginava que isso pudesse ocorrer: as periferias das grandes cidades. Mas mesmo nas aldeias mais recônditas e de difícil acesso é inconcebível que as populações locais sejam simplesmente abandonadas pelas autoridades e entregues à fome sob o pretexto da falta de acessibilidades. Lá onde os camiões civis não passam devem ser usados os Kamaz das FAA, quer para levar a estes locais os víveres que as populações necessitam, como para ajudar a tirar do espaço rural os excedentes para comercialização.

Tudo isto significa que é hora de nos questionarmos a respeito das Forças Armadas que pretendemos de facto e qual o papel, que os soldados também podem desempenhar na sociedade, em lugar de serem simplesmente deixados em ociosidade nas casernas.

Tudo isto passa por atribuir um significado diferente às Forças Armadas que não se fique apenas pelo conceito de defesa “tout court”, mas pela real despartidarização da instituição castrense nacional e a sua devida valoração, pelo importante papel que representam.

 ILUSTRES CONVIDADOS,
 MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES.


Sei que um painel deste fórum irá tratar da problemática do fundamentalismo religioso como uma putativa ameaça à segurança nacional. Pela sua natureza e sensibilidade, constitui obviamente um tema para ser abordado com pinças e sem alarmismos.

Mas, convenhamos, temos aqui realmente um assunto diante do qual não se deve simplesmente fazer como as avestruzes: esquivá-lo, enterrando a cabeça na areia. Não há que acender uma bandeira vermelha, mas o Estado angolano deve estar consciente de que o fundamentalismo religioso e os conflitos inter-religiosos constituem problemas dos dias de hoje no contexto geopolítico internacional que podem ameaçar ou atingir qualquer país directa ou indirectamente. Num mundo globalizado e multipolar, estes fenómenos não estão assim tão longe de nós.

Desde logo, é preciso consciencializar as estruturas afins a tomar medidas profiláticas e estratégicas contra tais fenómenos, o que pode passar, à partida, por desafiar as classes académicas, políticas, a sociedade civil e a comunidade de inteligência a reflectirem sobre o assunto, como vai acontecer nesta conferência. Lá diz o ditado que quando a barba do vizinho está a arder devemos colocar a nossa de molho. Este ditado universal deve ser levado a sério porque há países do nosso continente que já se debatem com conflitos decorrentes do extremismo religioso.

A religião é um fenómeno intrinsecamente humano que define crenças, hábitos e vivências díspares entre as pessoas de uma mesma sociedade, num quadro de tolerância e liberdade religiosa que a nossa Constituição acolhe nos seus artigos 10o e 41o. Mas esta laicidade não significa que não nos devamos preocupar que o País tenha, presentemente, um excessivo número de denominações religiosas, igrejas, seitas, enfim o que quer que seja, sem serem suportadas por uma doutrina teológica.

Já é dado adquirido que entram no território nacional muitas denominações de índole duvidosa; elas têm comprovadamente desenvolvido uma acção perniciosa para a vida normal na sociedade angolana, chegando a destruir famílias inteiras ao inculcar-lhes valores completamente estranhos e que vão contra a identidade cultural angolana.

Reitero: isto deve-nos preocupar! Não somos anticlericais, mas temos de ser realistas em relação à questão do actual florescimento anárquico das religiões em Angola. É do nosso conhecimento que há levantamentos de serviços especializados e do Ministério da Cultura (INAR) que deveriam merecer maior atenção para uma tomada de decisão sobre o assunto, mas que foram simplesmente engavetados e ignorados. Aliás, isto só demonstra a existência de cumplicidade da parte de alguns dignitários do Governo com certas denominações confessionais suspeitas que entram em Angola. Estranha ainda mais que não se tenha observado a mesma inacção quando, há alguns anos, se procurou banir – com excessiva e macabra carga policial e sem o menor respeito à legislação sobre liberdade religiosa – a seita “A Luz do Mundo”, cujo líder, o pastor Julino Kalupeteca, se encontra até hoje a cumprir pena de prisão após um controverso julgamento.

Em suma, não desejamos que esta conferência seja apenas mais uma que se realiza, à semelhança de muitas com uma imagem intelectual e um debate teórico ocos, mas sem deixar consequências práticas no caos que se vive actualmente no País. Ou seja, queremos que as decisões que saírem deste fórum venham a ter impacto sobre o nosso futuro imediato, num momento inquietante, turbulento e incerto como o que estamos a viver.

É minha convicção que podemos ir mais longe, com a cientificidade e o pragmatismo requeridos. Mas sobretudo sem tabus nem a tibieza com que o actual poder as tem abordado, em muitas circunstâncias até mascarando os problemas existentes.

A despeito de todo o actual panorama desesperante e susceptível de abafar qualquer sentimento de esperança, a UNITA e os Angolanos não devem desistir de lutar pela mudança e pelo futuro com todas armas de uma política honesta, credível e ética, mas sobretudo patriótica.

Muito obrigado a todos. Declaro aberta a conferência. Luanda, 04 de julho de 2023.

O Presidente do Partido

Adalberto Costa Júnior

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