SUBSÍDIOS DOS DEPUTADOS: ENTRE A PORNOGRAFIA PARLAMENTAR E A DUREZA DE VIDA DO POVO – FERREIRA PESTANA
É grande a manifestação de alguma tristeza e indignação, com o aumento em 100% daqueles subsídios para os Deputados, concretamente, o Subsídio de Instalação saiu, aprovado em 2009, de 11 milhões e 250 mil Kwanzas para 22 milhões, 667 mil e 625 Kwanzas, e o Subsídio de Fim do Mandato, aprovado em 2008, que saiu de 12 milhões e 260 mil Kwanzas para 24 milhões, 501 mil e 184 Kwanzas.
E a tristeza e a indignação não se prendem à ideia de desmerecimento ou a sentimento de inveja, se prendem, essencialmente, nos aspectos seguintes:
Estando o país a atravessar um sério momento de estagnação nos níveis de crescimento socioeconómico, com fortes tendências para a recessão, o timing escolhido para se proceder à actualização daqueles montantes de subsídios não foi o mais acertado. Aliás, se o tempo é de austeridade, então, que haja corte e não o inverso…
Claramente, as nossas instituições ligadas aos órgãos de soberania têm passado e, agora, a Assembleia Nacional passa uma mensagem negativa, para o povo, do tipo: sofram vocês que, nós os Deputados, estamos “mbora” bem!
Também não foi acertado actualizar montantes que, em boa verdade, não estavam mal para a nossa realidade, ou seja, 11 milhões e qualquer coisa de Kwanzas para a instalação de um Deputado não está tão mal assim, se comparados com o que ocorre com os servidores públicos colocados noutros órgãos de soberania. Por exemplo, o subsídio de instalação dos magistrados anda em volta de 1 milhão e 500 mil Kwanzas, e não se fazem considerações se com isso eles conseguem ou não sair das suas antigas condições de vida! O mesmo se diga em relação ao subsídio de fim de mandato, não cairia mal ao mundo se mantivesse o valor anterior ou até se diminuísse!
Em tese, é ponto assente que os montantes, fixados para subsídios de instalação e de fim de mandato dos Deputados, são demasiados pornográficos para serem praticados pelo nosso Parlamento e para a realidade do país, este que está imbuído num cenário de estagnação ou mesmo de recessão económica de proporções alarmantes, no momento presente.
Quer dizer, olhando tanto para os montantes iniciais (Kz. 11 milhões e tais e Kz. 12 milhões e tais), como para os da actualização (Kz. 22 milhões e tais e Kz. 24 milhões e tais), fazia mais sentido se, em lugar de aumento, se fizesse um corte/uma diminuição, a partir dos números iniciais, e, assim, se equilibrava esses subsídios com o que se pratica nos outros órgãos de soberania e em relação ao que se atribui aos distintos quadros do país. E, sobretudo, mais uma vez, em respeito à austeridade e consequentes dificuldades socioeconómicas generalizadas que o generoso povo angolano segue enfrentando nos últimos tempos.
No entanto, dadas as imprecisões que surgiram no espaço público, sobre o quando e o como da atribuição dos referidos subsídios milionários, é fundamental elucidar que:
1. O subsídio de instalação só se atribui uma única vez e aos Deputados debutantes/estreantes, o que significa que os repetentes/veteranos não beneficiam nas legislaturas posteriores. O fundamento avançado é que se pretende conferir dignidade, em termos de condições de habitação, aos Deputados no início de funções. O que significa que, caso já se tinha disponibilizado aos deputados iniciantes esse subsídio, com o aumento verificado haverá apenas a disponibilização da outra parte do montante, de modo a completar os cerca de 22 milhões e tais de Kwanzas.
2. Subsídio de fim de mandato, também de atribuição por uma única vez e coincide com a altura do fim da legislatura, se destina a assegurar montantes para a reforma do deputado, sendo certo que os Deputados que cumpram dois mandatos, ou mais, seguidos não recebem esse subsídio, por passarem para a condição de Deputado vitalício, contemplados estes com uma remuneração própria definida em lei.
Em conclusão, os subsídios, ora actualizados, não correspondem aos novos salários do Deputado, nem se somam ao montante de salário pago ao Deputado, em cada mês ao longo do ano.
Portanto, feito o esclarecimento, estamos totalmente de acordo, quanto à reprovação, à repulsa e à estupefacção face à tamanha falta de noção de timing e à gritante falta de sentido de empatia para com os governados.
Longe de nós, pois, querer impedir ou atrapalhar os Deputados de fruir dos seus direitos, regalias e benesses, mas, um mínimo de leitura do cenário envolvente resulta sempre melhor do que se olharmos apenas para os nossos umbigos!