DEPOIS DE SACRIFICADO: ZECAMUTCHIMA APELA AO DIÁLOGO SOBRE AUTONOMIA DA REGIÃO ANGOLANA

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O líder do Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), recém-libertado da prisão, devido aos confrontos em Cafunfo, diz ter sido “injustamente condenado” e apelou ao diálogo com o Governo angolano sobre a autonomia das Lundas.

José Mateus ‘Zecamutchima’ foi condenado a quatro anos e seis meses de prisão por ter sido considerado culpado dos crimes de associação criminosa e incitação à rebelião devido ao seu envolvimento numa manifestação realizada em 30 de janeiro de 2021, na vila diamantífera de Cafunfo (Lunda Norte), onde confrontos entre polícia e manifestantes resultaram num número indeterminado de mortos e feridos.

Numa conferência de imprensa realizada hoje no auditório da Livraria Irmãs Paulinas, sobre o desfecho do caso Cafunfo, José Mateus ‘Zecamutchima’, que foi preso em 09 de fevereiro de 2021 em Luanda, cidade onde, afirmou, sempre viveu e vive actualmente, disse ter sido “injustamente condenado”.

“Nunca estive sequer em Cafunfo”, sublinhou, garantindo que a manifestação era pacífica e visava reclamar melhores condições de vida.

‘Zecamutchima’, que diz sofrer de vários problemas de saúde e ter tido “ameaças de AVC” durante o tempo em que esteve detido, lamentou não ter sido autorizado a fazer consultas e exames médicos, apesar da deterioração do seu estado.

Questionado sobre a continuidade do movimento, disse que nunca lhe foi dito que “não pode continuar”, salientando que os objectivos são “conversar” e promover uma luta cívica pelos direitos económicos e sociais na região das Lundas (norte de Angola).

Apelou, por isso, às autoridades angolanas que estão a mediar processos de paz na África Austral que comecem o diálogo em casa.

“Só tendo a nossa casa arrumada poderemos ir arrumar a dos outros”, destacou.

Considerou ainda que foi mal interpretado quanto à autonomia daquelas províncias do norte de Angola (Lunda Norte e Lunda Sul) e que não se trata de “separar as Lundas de Angola”, dando exemplos de Estados federados e coesos como os EUA.

Sobre se a realização de eleições autárquicas contribuiria para resolver o problema do centralismo, afirmou não ter “opinião formada”.

“São coisas que têm de ser encontradas no diálogo com o Governo para encontrar a melhor forma”, disse.

Respondendo ao activista Dito Dali, que interpelou o dirigente sobre se o regime teria tido “conversações secretas” no sentido de “vender ou desistir” das suas causas, ‘Zecamutchima’ garantiu que continua a lutar pelo mesmo princípio.

“Corre no meu sangue esta vontade de ver o meu povo livre. A dignidade do homem é que me importa, dinheiro a mim não me diz nada, não estou à venda, o sangue dos que morreram é maior do que qualquer dinheiro”, declarou.

Além dos activistas, estiveram na conferência de imprensa advogados do escritório de Zola Bambi, presidente do Observatório para a Coesão Social, que representam ‘Zecamutchima’ e membros do MPPLT.

Leonel Jerónimo, advogado do Observatório, apresentou um resumo dos acontecimentos de 30 de janeiro de 2021, dos quais resultou “uma das mais brutais repressões dos últimos tempos contra cidadãos indefesos, ocasionando mais de 100 mortos, dezenas de feridos e implacável perseguição aos sobreviventes, participantes e seus parentes”.

Os números divergem dos das autoridades angolanas, que apontavam inicialmente para seis mortes. A Amnistia Internacional contabilizou 10 mortes, membros da sociedade civil de Cafunfo ligados a organizações católicas estimaram pelo menos 20 mortos, e o activista e jornalista Rafael Marques, concluiu que houve, pelo menos, 13 mortes.

Na sequência dos confrontos, foram instaurados dois processos judiciais em que 25 arguidos responderam pelos crimes de rebelião armada, ultraje ao Estado e seus símbolos, associação criminosa e actos preparatórios e associação de malfeitores.

Entre estes, encontravam-se quatro cidadãos de nacionalidade congolesa (absolvidos de todos os crimes) e um homem com perturbações mentais.

Dois arguidos não chegaram a ir a julgamento – um morreu na prisão, outro morreu no hospital onde se encontrava detido – e só dois tiveram pena de prisão efectiva: ‘Zecamutchima’ e outro membro do MPPLT.

No total, segundo o Observatório seis integrantes deste processo perderam a vida, uns na cadeia, outros soltos, mas com estado de saúde frágil que faleceram nas suas casas.

‘Zecamutchima’ foi libertado em 03 de março, beneficiando da lei da amnistia que entrou em vigor recentemente.

O Observatório realçou igualmente a existência de 28 sobreviventes com ferimentos graves e número indeterminado de desaparecidos forçados, bem como actos de detenção arbitrária, tortura, profanação de cadáveres, cárcere privado e apontou “discriminação dos direitos dos presos”, que foram privados de assistência medica.

A organização disse igualmente que a inacção das autoridades angolanas obrigou o líder do protectorado a “mais dez dias de prisão desnecessária”, o tempo que mediou entre o mandado de soltura e a libertação efectiva.

Num comunicado, o MPPLT realçou que a sua manifestação foi “pacífica” e não tinha “intenção de contrariar a ordem estabelecida”, reafirmando o seu “engajamento no reconhecimento da Constituição e das instituições do Estado angolano”.

Criado há 15 anos, o MPPLT reafirmou que é contra a violência e actos de vandalismo e luta “contra as assimetrias regionais”: “não somos um grupo de malfeitores, não estamos ao serviço de forças estrangeiras para a desestabilização do país, não somos uma ameaça à segurança nacional, não somos um movimento de rebelião armada”.

O movimento lançou ainda um apelo para reunir os meios possíveis para que ‘Zecamutchima’ se possa deslocar ao exterior para tratamento medico por estar ainda debilitado.

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